sábado, dezembro 31, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA



Episódio Nº 296

Acorrem jornalistas, fotógrafos, locutores de rádio a metralharem informações nos modernos transmissores, explodem os primeiros flashes. As mulheres, pouco a pouco, ocupam o átrio, no alto da escadaria. À frente, Santo Onofre.

Prostitutas iniciam passeata de protesto! Passeata de Balaio Fechado! – Brada o locutor da Rádio Abaeté. Não querendo ficar atrás do concorrente, Pinto Scott, a voz de ouro da Rádio Grémio da Bahia, lança a notícia sensacional: Rameiras em passeata marcham para o Palácio do Governo!

Colocada sobre um andor descoberto na sacristia, a imagem de Santo Onofre vem aos ombros de quatro raparigas, entre elas a negra Domingas ainda tumefacta, e Maria Petisco sempre traquinas. Dos quatro cantos da velha praça ilustre acodem os tiras, os secretas, os detectives, os guardas, empunhando cassetetes, bastões de borracha, revólveres, raiva, ódio.

Toma posição a tropa montada da polícia militar, pronta para dissolver na pata dos cavalos a passeata, o desfile, a procissão, o diabo que seja.

No comando geral das forças da ordem e da lei, o comissário Labão Oliveira, olhos de serpente, coração envenenado, pisando sobre milhares de envelopes contendo camisas de Vénus, esmagando com a sola dos sapatões pedaços de vidro de centenas de frascos partidos, antes cheios do precioso elixir afrodisíaco “Cacete Rijo”. Pisando, esmagando capital e lucro, tudo aquilo custara cruzeiros, tirados do seu bolso deveria render dólares, as filhas da puta tudo destruíram, planos perfeitos e sonhos ricos.

Um pouco atrás, capengando, sufocando gemidos, o investigador Nicolau Ramada Júnior, atingido nos quimbas, levado à falência e rendido. Tendo o detective Dalmo Coca desaparecido envolto em bosta, o comissário e Peixe Cação nada sabem sobre o destino da maconha, última esperança de evitar o prejuízo total: igual ao dólar a maconha não se desvaloriza.

A voz partida de Vovó – não fosse prostituta na Bahia seria beata na Matriz da Cruz das Almas – eleva-se puxando uma ladainha:

Ave, ave Maria
Ave, ave Maria

Em coro as raparigas respondem e a imagem se movimenta, adiantando-se para os degraus da escadaria; o cansado acento da Vovó prossegue na litania:

Vestida de anjo
Ela apareceu
Trazendo nas asas
As cores do céu


Atrás da imagem as mulheres, logo na primeira fila Tereza Batista. Ao vê-la Peixe Cação esquece até a dor nos bagos, precipita-se. Exactamente no mesmo instante, do Bar Flor de São Miguel sai um grupo barulhento e agitado de fregueses, o futuroso astro do nosso teatro, Tom Lívio, o alemão Hansen a gravar na madeira com goiva e sangue a vida das mulheres da zona, o poeta Telmo Serra, os eternos boémios, aqueles que pela madrugada afora discutem o destino do mundo e salvam a humanidade das catástrofes e do aniquilamento, os guardiães do sonho do homem. Nas mãos poderosas do gravador um cartaz exibe esquálidas fêmeas semi-nuas, todas elas rompendo as cadeias a lhes prender os pulsos, tendo no lugar do xibiu um cadeado. Uma inscrição em grandes letras: TODO O PODER ÀS PUTAS. O comissário grita ordens para os tiras e para os soldados, manda dissolver, prender, espancar, matar, se necessário.
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