sábado, janeiro 21, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA



Episódio Nº 2





Naquele ano, em vez de ficarem nos bares bebericando estavam todos eles na procissão, de vela em punho, contritos, prometendo mundos e fundos a São Jorge em troca das chuvas preciosas.

A multidão, atrás dos andores, acompanhava pelas ruas a reza dos padres. Paramentado, as mãos unidas para a oração, o rosto compungido, o padre Basílio elevava a voz sonora puxando as preces.

Escolhido para a importante função por suas eminentes virtudes, por todos consideradas estimadas, o fora também por ser o santo homem proprietário de terras e roças, directamente interessado na intervenção celestial. Rezava assim com redobrado vigor.

As solteironas numerosas, em torno à imagem de santa Maria Madalena, retirada na véspera da Igreja de São Sebastião para acompanhar o andor do santo padroeiro em sua ronda pela cidade, sentiam-se transportar em êxtase ante a exaltação do padre habitualmente apressado e bonacheirão, despachando sua missa num abrir e fechar de olhos, confessor pouco atento ao muito que elas tinham a lhe contar, tão diferente do padre Cecílio, por exemplo.

Elevava-se a voz vigorosa e interessada do padre na prece ardente, elevava-se a voz fanhosa das solteironas, o coro unânime dos coronéis, suas esposas, filhas e filhos, comerciantes, exportadores, trabalhadores vindos do interior para a festa, carregadores, homens do mar, mulheres da vida, empregados no comércio, jogadores profissionais e malandros diversos, os meninos do catecismo e as meninas da Congregação Mariana.

Subia a prece para um diáfano céu sem nuvens onde, assassina bola de fogo, queimava um sol impiedoso – capaz de destruir os recém-nascidos brotos brotos dos cocos de cacau.

Certas senhoras da cidade, numa promessa combinada durante o último baile do Clube Progresso, acompanhavam a procissão de pés descalços, oferecendo o sacrifício da sua elegância ao santo, pedindo-lhe chuva. Murmuravam-se promessas diversas, apressava-se o santo, nenhuma demora se lhe podia admitir, ele bem via a aflição dos seus protegidos, era milagre urgente o que lhe pediam.

São Jorge não ficara indiferente às preces, à repentina comovente religiosidade dos coronéis e ao dinheiro por eles prometido para a igreja matriz, aos pés nus das senhoras castigados pelos paralelepípetos das ruas, tocado sem dúvida mais do que tudo pela agonia do padre Basílio.

Tão receoso estava o padre pelo destino dos seus frutos de cacau que, nos intervalos do rogo vigoroso, quando o coro clamava, jurava ao santo abster-se um mês inteiro dos doces favores de sua comadre e ama Otália.

Cinco vezes comadre, pois já cinco robustos rebentos – tão vigorosos e promissores quanto os cacauais do padre – levara ela, envoltos em cambraia e renda, à pia baptismal. Não os podendo perfilhar, era o padre Basílio padrinho de todos cinco – três meninas e dois meninos – e caridade cristã, lhes emprestava o uso do seu próprio nome de família: Cerqueira, um belo e honrado nome.

Como poderia São Jorge ficar indiferente de tanta aflição? Vinha ele dirigindo, bem ou mal, os destinos dessa terra, hoje do cacau, desde os tempos imemoriais da Capitania.

O donatário, Jorge de Figueiredo Correia, a quem o rei de Portugal dera, em sinal de amizade, essas dezenas de léguas povoadas de silvícolas e de pau-brasil, não quisera deixar pela floresta os prazeres da corte lisboeta, mandara seu cunhado espanhol morrer nas mãos dos índios.

(click na imagem da nova IGREJA MATRIZ DE SÃO JORGE DE IHÉUS vendo-se, à direita, assinalado, o Bar Vesúvio do Siô Nacib, brasileiro das arábias)

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