segunda-feira, janeiro 23, 2012

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 3



Mas lhe recomendara pôr sob a protecção do santo vencedor dos dragões aquele feudo que o rei seu senhor houvera por bem lhe regalar.

Não iria ele a essa distante terra primitiva, mas lhe daria seu nome consagrando-a a seu xará São Jorge. Do seu cavalo na Lua seguia assim o santo o destino movimentado desse São Jorge dos Ilhéus desde cerca de quatrocentos anos.

Vira os índios trucidarem os primeiros colonizadores e serem, por sua vez trucidados e escravizados, vira erguerem-se os engenhos de açúcar, as plantações de café, pequenos uns, medíocres as outras.

Vira essa terra vegetar, sem maior futuro, durante séculos. Assistira depois ás primeiras mudas de cacau e ordenara aos macacos juparás que se encarregassem de multiplicar os cacaueiros. Talvez sem objectivo preciso, apenas para mudar um pouco a paisagem, da qual já devia estar cansado após tantos anos. Não imaginando que, com o cacau, chegava a riqueza, um tempo novo para a terra sob a sua protecção.

Viu então coisas terríveis: os homens matando-se traiçoeira e cruelmente pela posse de vales e colinas, de rios e serras, queimando as matas, plantando febrilmente roças e roças de cacau. Vira a região de súbito crescer, nasceram vilas e povoados, vira o progresso chegar a Ilhéus trazendo um bispo com ele, novos municípios serem instalados – Itabuna, Itapira – elevar-se o Colégio de Freiras, vira os navios desembarcando gente, tanta coisa vira que pensara nada poder mais impressioná-lo.

Ainda assim impressionou-se com aquela inesperada e profunda devoção dos coronéis, homens rudes, pouco afeitos a leis e rezas, com aquela louca promessa do padre Basílio Cerqueira, de natural incontinente e fogoso, tão fogoso e incontinente, que o santo duvidava pudesse ele cumpri-la até ao fim.

Quando a procissão desembocou na Praça de São Sebastião, parando ante a pequena igreja branca, quando Glória persignou-se sorridente em sua janela amaldiçoada, quando o árabe Nacib avançou do seu bar deserto para melhor apreciar o espectáculo, então aconteceu o falado milagre.

Não, não se encheu de nuvens negras o céu azul, não começou a cair chuva. Sem dúvida para não estragar a procissão. Mas uma esmaecida lua diurna surgiu no céu, perfeitamente visível apesar da claridade ofuscante do sol.

O negrinho Tuísca foi o primeiro a enxergá-la e chamou a atenção das irmãs Dos Reis, suas patroas, no grupo todo em negro de solteironas. Um clamor de milagre sucedeu, partindo das solteironas excitadas, propagando-se pela multidão, logo espalhando-se pela cidade toda.

Durante dois dias não se falara noutra coisa. São Jorge viera para ouvir as preces, as chuvas não tardariam.

Realmente, alguns dias após a procissão, nuvens de chuva se acumularam no céu e as águas começaram a cair ao entardecer. Só que São Jorge, naturalmente impressionado pelo volume de orações e promessas, pelos pés descalços das senhoras e pelo espantoso voto de castidade do padre Basílio, fez milagre demais, e agora as chuvas não queriam parar, a estação das águas se prolongava já por mais de duas semanas além do tempo habitual.

Aqueles brotos apenas nascidos dos cocos de cacau, cujo desenvolvimento o sol ameaçara, haviam crescido magníficos com as chuvas em número nunca visto, agora começavam novamente a necessitar de sol para se porem de vez.

(Na imagem o fruto do cacau motivo de tantas preocuopações, rezas e procissões)

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