terça-feira, janeiro 24, 2012

GABRIELA

CRAVO

E

CANELA


Episódio Nº 4


A continuação das chuvas, pesadas e persistentes poderia apodrecê-los antes da colheita. Com os mesmos olhos de temor agoniado, os coronéis fitavam o céu plúmbeo, a chuva descendo, buscavam o sol escondido.

Velas eram acesas nos altares de são Jorge, de são Sebastião, de Maria Madalena, até de nossa Senhora da Vitória, na capela do cemitério. Mais uma semana, mais dez dias de chuva e a safra estaria por inteiro em perigo, era uma trágica expectativa.

Eis porque quando, naquela manhã em que tudo começou, um velho fazendeiro, o coronel Manuel das Onças (assim chamado porque suas roças ficavam num tal fim do mundo onde, segundo diziam e ele confirmava, até onças rugiam, saíu de casa ainda quase noite, às quatro da manhã e viu o céu despejado, num azul fantasmagórico de aurora desabrochando, o sol a anunciar-se num clarão alegre sobre o mar, elevou os braços, gritou num alívio imenso:

- Enfim… a safra está salva.

O coronel Manuel das Onças apressou o passo em direcção à banca de peixe, nas imediações do porto, onde pela manhãzinha, quotidianamente, reunia-se um grupo de velhos conhecidos em torno das latas de mingau das “baianas”.

Não iria encontrar ainda ninguém, era ele sempre o primeiro a chegar, mas andava de pressa como se todos o esperassem para ouvir a notícia. A alvíssareira notícia do fim da estação das chuvas.

O rosto do fazendeiro abria-se num sorriso feliz. Estava garantida a safra, aquela que seria a maior safra, a excepcional, de preços em constante alta, naquele ano de tantos acontecimentos sociais e políticos. Quando tanta coisa mudaria em Ilhéus, ano por muitos considerado como decisivo na vida da região.

Para uns foi o ano do caso da barra, para outros o da luta política entre Mundinho Falcão, exportador de cacau e o coronel Ramiro Bastos, o velho cacique local.

Terceiros lembravam-no como a ano do sensacional julgamento do coronel Jesuíno Mendonça, alguns com o da chegada do primeiro navio sueco dando início à exportação directa do cacau.

Ninguém, no entanto, fala desse ano, da safra de 1925 à de 1926, como o ano do amor de Nacib e Gabriela e, mesmo quando se referem às peripécias do romance, não se dão conta de como, mais que qualquer outro acontecimento, foi a história dessa doida paixão o centro de toda a vida da cidade naquele tempo, quando o impetuoso progresso e as novidades da civilização, transformavam a fisionomia de Ilhéus.

Do Passado e do Futuro Misturados nas Ruas de Ilhéus

As chuvas prolongadas haviam transformado as estradas e ruas em lamaçais, diariamente revolvidas pelas patas das tropas de burros e dos cavalos de montaria.

A própria estrada de rodagem, recentemente inaugurada, ligando Ilhéus a Itabuna, onde trafegavam caminhões e marinetes, ficara um certo momento, quase intransitável, pontilhões arrastados pelas águas, trechos com tanta lama ante os quais os choferes recuavam.

O russo Jacob e seu sócio, o jovem Moacir Estrela, dono de uma garagem, haviam raspado um susto. Antes da chegada das chuvas organizaram uma empresa de transportes para explorar a ligação rodoviária entre as duas principais cidades do cacau, encomendaram quatro pequenos ónibus no Sul.

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