domingo, janeiro 15, 2012

HOJE É DOMINGO
(Da minha cidade de Santarém)






Morreu o Nunes.
Pelas contas de um outro colega meu, o Fernando, presença assídua em todos os almoços de Curso na penúltima quarta-feira de cada mês, já lá vão catorze daquele grupo de rapazes que no início do Ano Lectivo de 1959/60 se encontaram pela primeira vez no Largo do Príncipe Real, ao cimo do Bairro Alto, em Lisboa, e foram colegas durante três anos no Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

A lei da vida, paulatinamente, vai fazendo a sua ceifa. Os que restam, naturalmente, estão envelhecidos mas o Nunes não estava bem, muito gordo e com dificuldades em respirar… Quando me separei dele no último almoço em que esteve presente tive o pressentimento que era a última vez que o via. Depois disso, tivemos a informação de que estava internado no Hospital e o resto foi o desfecho esperado.

Instintivamente, ponho o relógio do tempo a andar para trás e lá está o Nunes: jovem, bem parecido, irradiando confiança, no átrio da sala de aulas fazendo parte desse grupo do qual, quase metade, já partiu.

Partir, é uma maneira dizer, está na nossa linguagem, faz parte da nossa cultura, pressupõe um destino, uma morada, um local, mas onde?

Se o Nunes partiu, para onde foi? Alguém o sabe fora de uma qualquer crença religiosa? Que pensaria o Nunes sobre isto? Teria tido medo?

Mark Twain dizia:

- “Não tenho medo da morte. Estive morto durante milhões de milhões de anos antes de nascer e não senti o mais pequeno incómodo por isso”.

O Nunes fez o seu caminho, viveu a sua vida, teve essa fantástica experiência: conheceu, aprendeu e, acima de tudo, jogou com as suas emoções e sentimentos na intrincada teia das relações humanas e… chegou ao fim, sem dramas, ponto final. A sua vida prossegue nos seus descendentes.

Disse Emily Dickinson, poetisa americana: “Por não voltar jamais é que é tão doce a vida”.

O Nunes teve a sorte de morrer porque viveu, coube-lhe essa rara oportunidade, veio do nada e de parte alguma e a ela regressa.

O meu colega Fernando tem uma lista mental secreta em que nos colocou a todos numa ordem cronológica para a data de “partida”. Parece maquiavélico mas para mim não tem nada de mal, tal como a morte também não tem. Ele não deseja a morte a nenhum de nós, é bom de ver, apenas procura ler sinais e a partir deles coloca-nos numa “bicha”. Ele é um rapaz divertido, tem sentido de humor… Não foi difícil, por exemplo, perceber que o Nunes era o próximo dessa lista.

A nós, que ainda cá ficámos, faço votos de muitos anos de convivência… “ a vida é doce porque não volta mais”.

A propósito do falecimento do meu colega Nunes vou transcrever, na íntegra, o epitáfio que o Prémio Nobel de 1973 pelos seus estudos em Etiologia, Richard Dawkins, destinou para o seu funeral:

- “Vamos morrer e por isso somos nós os bafejados pela sorte. A maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai chegar a nascer. As pessoas potenciais que poderiam ter estado aqui no meu lugar, mas que na verdade nunca verão a luz do dia, excedem em número os grãos de areia do deserto do Sara. Seguramente que nesses fantasmas que nunca vão chegar a nascer se incluem poetas maiores do que Keats e maiores cientistas do que Newton. Sabemos isto porque o conjunto de pessoas potenciais permitidas pelo nosso ADN é esmagadoramente superior ao conjunto de pessoas com existência efectiva. Não obstante esta ínfima probabilidade, sou eu, somos nós que, na nossa vulgaridade, aqui estamos.”


(Click na imagem do local onde moro)

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