sábado, janeiro 14, 2012

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episódio Nº 308





Enquanto as amigas se arrumam, Tereza vê-se reflectida no aço do espelho pelo direito e pelo avesso. Vibrantes contas de triunfo, roxo colar de sangue, posto em ombro impróprio de quem foi derrotada e se acabou. Velha, cansada de guerra, morta por dentro.

Recorda acontecimentos e pessoas, factos distantes, gente desaparecida. O doutor, o capitão, Lulu santos, o menino arrancado de seu ventre, assassinado antes de ser. Os tempos de cadeia, os tempos de bordel, a época de Estância, lugares por onde andou, o ruim e o mau, a taça de couro e a rosa. Quantos anos completara há poucos meses no xadrez, presa e surrada pela polícia de costumes da Bahia? Vinte e seis? Não pode ser. Quem sabe, cento e vinte seis, mil e vinte seis ou ainda mais? Na hora da morte não se conta idade.

Barulho na porta, ruído de discussão, a voz de dona Fina contraditando alguém, a resposta e o riso. Tereza estremece, palpita-lhe incontido o coração, de quem essa voz inesquecível, esse acento de marulho e búzio?

- Vai casar? Pode ser, mas só se for comigo.

Levanta-se trémula, não acredita nos próprios ouvidos, sai passo a passo pelo corredor, olha a medo. Na porta da rua, disposto a entrar de qualquer maneira, gigante, pássaro, vivo, inteiro, lá está ele. Então Tereza abre-se em pranto, em choro convulso. Chorando, atira-se nos braços de Januário Gereba.

76

- O casamento embucetou! – anuncia Maria Petisco, saltando do táxi na porta de entrada da casa de Almério.

Deixara Tereza nos braços de mestre Gereba. Não tinha naufragado? Não estava morto? Que morto nem meio morto, vivo e bem vivo, um pedaço de homem de se lamber os beiços, rolete de cana caiana, Tereza mais sortuda. Quando o Balboa naufragara, fazia mais de três meses que ele e Toquinho, outro baiano, haviam desengajado, iniciando a volta para casa.

Na maciota, vendo mundo. Acabara de chegar e o compadre Caetano Gunzá lhe contara os acontecidos todos. O amigo Almério desculpasse, mas o casamento parecia bastante comprometido.

No primeiro momento, Almério sofreu séria decepção, profundo abalo, não há como esconder: afinal, com papéis prontos e festa paga, não era para menos. Mas a curiosidade de velho leitor de folhetins, de ouvinte fanático de novelas de rádio, habituado a encarnar-se nos melodramáticos heróis, superou o desaponto, e ele pediu detalhes.

Acreditem: em menos de meia-hora já se entusiasmava com o relato. Maria Petisco se adiantara para dar a notícia aos convidados, chegando quase junto com o juiz e o padre. O magistrado logo se retirou; dom Timóteo, porém, permaneceu à espera de Almério, talvez o pobre necessitasse de consolo.

- E o que se vai fazer com tanto manjar? – quis saber o velho Miguel Santana, que almoçara leve, reservando espaço e apetite para a comilança.
- Ai, meu Deus, a festa não vai mais haver! – gemeu a negra Domingas, preparada para sambar a noite inteira.

Na sala ia entrando Almério das Neves acompanhado de Anália, ouvia a queixa, abanou os braços, não lhe cabia culpa.

Meu povo, disse ele, o casamento deu com os burros n’água. Para mim foi triste, mas para Tereza foi alegre.



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