sábado, janeiro 07, 2012

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA





Episódio Nº 302



Passados alguns dias, após agradecer-lhe a hospitalidade, Tereza despediu-se de mãe Senhora, deixou o refúgio do candomblé, regressando ao quarto de dona Fina, no Desterro.

Na ausência da sambista, sem saber quando poderia contar com ela. Alinor Pinheiro o proprietário do Flor de Lótus, contratara novas atracções, uma contorcionista e a cantora Patativa de Macau, vinda do Rio Grande do Norte e não do Extremo Oriente, como acreditaram alguns imaginosos fregueses. Viu-se Tereza sem emprego, mas logo lhe acenaram com a possibilidade de actuar no Tabaris, o mais elegante e bem frequentado cabaré da Bahia, sempre cheio, animadíssimo, coração da vida nocturna da cidade. Oferta imprevista e honrosa, em nenhum momento lhe passara pela cabeça a possibilidade de apresentar-se no tablado do Tabaris, cujas artistas vinham todas do sul, entre elas várias estrangeiras. Não sabia estar em mãos de Vavá a parte de leão da sociedade exploradora do dancing. Devia, no entanto, aguardar o término próximo contrato da argentina Rachel Púcio, a quem substituiria. Não fosse por isso! Aguardaria quanto tempo se fizesse preciso: trabalhar no Tabaris era a consagração, a glória.

Podia esperar, não estava em falta de dinheiro. Por Anália, dona Paulina de Sousa lhe mandara algum para ela pagar quando pudesse, e Taviana propusera-lhe adiantar o necessário às despesas. Não chegou a pisar o palco do Tabaris.

Uma tarde, o sobrinho de Camafeu de Oxossi veio buscá-la com um recado urgente: mestre Caetano Gunzá desejava-lhe falar imediatamente, pois a barcaça levantaria ferros à noitinha para Camamu. Tereza sentiu um baque no coração, soube de imediato e de ciência certa tratar-se de notícia ruim. Pôs na cabeça o xale que o doutor lhe dera pouco antes de morrer, desceu o elevador Lacerda em companhia do rapazola.

Na entrada do Mercado, Camafeu lhe afirmou não saber o motivo da mensagem do barcaceiro, apenas a recebera e transmitira, mas a “Ventania” estava perto, ancorada ao lado do Forte do Mar.

Tereza sentiu a insegurança na voz do amigo, a quem tratava de compadre desde uma festa de São João à qual comparecera com Almério e onde pulara fogueira com Camafeu e Toninha, sua mulher, estabelecendo compadrio de estima e convivência. Camafeu mantinha os olhos longe dela, perdidos no mar, media as palavras, de repente casmurro quem era o sujeito mais jovial do mundo. Condenada, Tereza embarcou na canoa, rumo à barcaça.

Antes de mestre Gunzá pronunciar qualquer palavra, ao observar-lhe o rosto conturbado, Tereza disse, a voz sem acento:

- Morreu.

O mestre confirmou: o cargueiro Balboa naufragara nas costas do Peru vítima de grande temporal, um começo de marmoto. Faleceram todos os tripulantes, não houve sobreviventes e quem contou a história foram os marinheiros de outros navios que acorreram em socorro, mas nem puderam aproximar-se, tão terrível a tempestade. Viram, porém, os barcos de salvamento cheios de marujos, serem tragados pelas ondas.

Estende a gazeta, Tereza a toma e olha, não consegue ler. Mestre Caetano recita-lhe a notícia, ele a aprendeu de cor nessas poucas horas cruas e cinzentas. Noite trágica no Pacífico, além de Balboa afundara outro navio, um petroleiro.

Quem vive no mar está sujeito a tempestades e naufrágios, que outra coisa pode lhe dizer? Para a morte não há consolo. O jornal publica a relação dos tripulantes engajados na Bahia. Tereza distingue o nome de Januário Gereba. Os olhos secos, apagados carvões, a garganta trancada. (click na imagem)

Site Meter