quarta-feira, fevereiro 08, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA




Episódio Nº 17



De como Nacib despertou sem Cozinheira

Nacib despertou com as repetidas pancadas na porta do quarto. Chegara de madrugada, depois de fechado o bar, andara com Tónico Bastos e Nhô-Galo pelos cabarés, acabara em casa de Maria Machadão com a Risoleta, uma recém-chegada de Aracaju, um pouco vesga.

- O que é?

- Sou eu, seu Nacib. Para me despedir, vou embora.

Um navio apitava próximo, pedindo prático.

- Embora para onde, Filomena?

Nacib levantava-se, prestava uma atenção distraída ao apito do navio – “pelo jeito do apito é um Ita”, pensava – procurava enxergar as horas no patacão colocado ao lado da cama: seis horas da manhã e ele chegara por volta das quatro. Que mulher, aquela Risoleta! Não que fosse uma beleza, até tinha um olho troncho, mas sabia coisas, mordia-lhe a ponta da orelha e atirava-se para trás, rindo… que espécie de loucura atacara a velha Filomena?

- Pra Água Preta, ficar com meu filho…

- Que diabo de história é essa, Filomena? Tá maluca?

Buscava os chinelos com os pés, mal acordado, o pensamento em Risoleta. O perfume barato da mulher persistia em seu peito peludo. Saía mesmo descalço para o corredor, metido no camisolão de dormir. A velha Filomena esperava na sala, com seu vestido novo, um lenço de ramagens amarrado na cabeça, o guarda-chuva na mão. No chão, o baú e um embrulho com os quadros de santos.

Era empregada de Nacib desde que ele comprara o bar, há mais de quatro anos. Rabugenta, porém limpa e trabalhadora, séria a não mais poder, incapaz de tocar num tostão, cuidadosa. “Uma pérola, uma pedra preciosa”, costumava dizer Dª Arminda para defini-la. Tinha seus dias de calundu, quando amanhecia de cara amarrada, e nesses dias não falava senão para anunciar a sua próxima partida, a viagem para Água Preta, onde o filho único se estabelecera com uma quitanda. Tanto falava em ir-se embora, naquela famosa viagem que Nacib não lhe dava mais crédito, pensava não passar tudo aquilo de mania inofensiva da velha, afinal tão ligada a ele, menos empregada que uma pessoa de casa, quase um parente distante.

O navio apitava, Nacib abriu a janela; era, como adivinhara, o Ita procedente do Rio de Janeiro. Estava pedindo prático, parado ante a pedra do Rapa.

- Mas Filomena, que loucura é essa? Assim, de repente, sem avisar nem nada… Absurdo.

- Ué, seu Nacib! Desde que atravessei o batente de sua porta venho lhe dizendo: “Um dia vou embora, morar com o meu Vicente…”

- Mas podia ter-me falado ontem que ia hoje…

- Bem que mandei um recado por Chico. O senhor nem ligou, nem apareceu em casa.

Realmente, Chico Moleza, seu empregado e vizinho, filho de Dª Arminda, tinha levado juntamente com o almoço, um recado da velha anunciando a próxima partida.

Mas isso acontecia quase toda a semana; Nacib mal ouvira, nem respondera.

- E esperei o senhor pela noite adentro… Até de madrugada… O senhor estava correndo gado por aí, tamanho homem que já devia estar casado, com o rabo assentado em casa em vez de viver trocando perna depois do trabalho… Um dia, com todo esse corpo fica fraco e bate as botas…


(Click na imagem que reproduz Os Cangaceiros "que, para a autoridade, simbolizavam a brutalidade, o mal, uma doença que precisava de ser cortada. Para uma parte do sertão, décadas 20 e 30, eles encarnavam valores como a bravura, o heroísmo e o senso da honra.")

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