quinta-feira, fevereiro 16, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA




Episódio Nº 24



A bala, por engano, isto é, por engano na perna, pois destinava-se ela ao peito de Segismundo. Desde então ficou ele menos escrupuloso e mais barateiro, mais grapiúna ainda, graças a Deus. Por isso, quando morreu octogenário, seu enterro transformou-se em verdadeira manifestação de homenagem a quem fora, naquelas paragens, exemplo de civismo, e devoção à justiça.

Por essa mão veneranda, fizera-se Nacib brasileiro nato, em certa tarde distante de sua primeira infância, vestido com verde bombacho de veludo francês.


Onde Aparece Mundinho Falcão, Sujeito Importante, Olhando Ilhéus Por Um Binóculo.


Da ponte de comando do navio à espera de prático, um homem ainda jovem, bem vestido e bem barbeado, olhava a cidade com um ar levemente sonhador. Qualquer coisa, talvez os cabelos negros, talvez os olhos rasgados davam-lhe um toque romântico, fazia com que as mulheres logo o notassem. Mas a boca dura e o queixo forte eram de homem decidido, prático, sabendo querer e fazer.

O comandante, rosto curtido pelo vento, mordendo um cachimbo, estendeu-lhe o binóculo. Mundinho Falcão disse ao recebê-lo:

- Nem preciso… Conheço casa por casa, homem por homem. Como se tivesse nascido ali, na praia – apontava com o dedo – aquela casa – a da esquerda, ao lado do sobrado – é a minha casa. Posso dizer que essa avenida eu a construí…

- Terra de dinheiro, de futuro – falou como conhecedor, o comandante. – Só que a barra é uma desgraça…

- Isso também vamos resolver – anunciou Mundinho.

- E muito em breve…

- Deus lhe ouça. Toda a vez que entro aqui tremo pelo meu navio. Não há barra pior em todo o Norte.

Mundinho levantou o binóculo, aplicou-o aos olhos. Viu sua casa moderna, trouxera um arquitecto do Rio para construi-la. Os sobrados da Avenida, os jardins do palacete do coronel Misael, as torres da Matriz, o Grupo Escolar. O dentista Osmundo, envolto num roupão, saía de casa para o banho do mar tomado bem de manhãzinha para não escandalizar a população. Na Praça São Sebastião, nem uma só pessoa.

O bar Vesúvio com suas portas fechadas. O vento da noite derrubara uma tabuleta de anúncio na frente do cinema. Mundinho examinava cada detalhe atentamente, quase com emoção. A verdade é que gostava cada vez mais daquela terra, não lamentava o aloucado arroubo a trazê-lo um dia, há poucos anos, para ali, como um náufrago à deriva, servindo-lhe qualquer terra onde salvar-se.

Mas essa não era uma terra qualquer. Ali crescia o cacau. Onde melhor aplicar o seu dinheiro, para multiplicá-lo? Bastava ter disposição para o trabalho, cabeça para os negócios, tino e audácia. Tudo isso ele possuía e algo mais: mulher a esquecer, paixão impossível a arrancar do peito e do pensamento.

Dessa vez, no Rio, a mãe e os irmãos foram unânimes em achá-lo mudado, diferente.

Lourival, o irmão mais velho, não pôde deixar de reconhecer, com sua voz de desdém, de homem sempre enfastiado.

- Não há dúvida, o rapazinho amadureceu.


(click na imagem de Mundinho Falcão, "sujeito importante, um homem ainda jovem, bem vestido e bem barbeado... os cabelos negros, talvez olhos rasgados, dava-lhe um toque romântico, fazia com que as mulheres logo o notassem.)

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