segunda-feira, fevereiro 27, 2012

GABRIELA

CRAVO

E

CANELA


Episódio Nº 33

Sua celebridade, no entanto, aquilo a fazê-las uma instituição da cidade, era o grande presépio de Natal, armado cada ano numa das salas de frente da casa pintada de azul.

Trabalhavam o ano inteiro, recortando e colando em cartolina figuras d revistas para aumentar o presépio, sua diversão e sua devoção.

- Madrugou hoje, seu Nacib…

- Coisas que acontecem pra gente.

- E as revistas que prometeu?

- Vou trazer, Dª Florzinha, vou trazer. Tou juntando. A nervosa Florzinha cobrava revistas a todos os conhecidos, a plácida Quinquina sorria. Pareciam duas caricaturas saídas de um livro antigo, com seus vestidos fora de moda, os xales na cabeça, saltitantes e vivas.

- O que lhe trás aqui a essa hora?

- Queria tratar um assunto.

- Pois entre…

O portão conduzia a uma varanda onde cresciam flores e plantas cuidadas com carinho. Uma empregada, mais velha ainda que as solteironas, curvada pelos anos, passava entre os canteiros a regá-los com um balde.

- Entre para a sala do presépio – convidou Quinquina.

- Anastácia, sirva um licor a seu Nacib! – ordenou Florzinha. - De que prefere? De jenipapo ou de abacaxi? Temos também de laranja e de maracujá…

Nacib sabia por experiência própria, ser necessário tomar o licor – àquela hora da manhã, Senhor! – elogiá-lo, perguntar pelos trabalhos do presépio, mostrar por eles interesse, se quisesse levar a bom termo suas negociações. O importante era garantir os salgados e doces do bar durante alguns dias e o jantar da Empresa de Ónibus para a noite seguinte. Até arranjar uma nova e boa cozinheira.

Era uma daquelas casas de antigamente, com duas salas de visita dando para a rua. Uma delas há muito deixara de funcionar como sala de visitas, era a sala do presépio.

Não que ficasse armado o ano inteiro. Só em Dezembro ele era montado e exposto ao público, durava até às proximidades do carnaval, quando Quinquina e Forzinha o desarmavam cuidadosamente e em seguida iniciavam a preparação do próximo presépio.

Não era o único em Ilhéus. Outros existiam, alguns belos e ricos, mas quando alguém falava do “presépio” era ao das irmãs Dos Reis que se referia, pois nenhum dos demais se lhe podia comparar. Fora crescendo aos poucos no decorrer de mais de cinquenta anos. Era Ilhéus ainda um lugarejo atrasado. Quinquina e Florzinha ainda mocinhas, irrequietas e festeiras, requestadas pelos rapazes (ainda hoje é um pequeno mistério terem ficado solteiras, talvez houvessem escolhido demais), quando armaram seu primeiro e pequeno presépio.

Naquele esquecido Ilhéus de outros tempos, antes do cacau, estabelecia-se entre as famílias verdadeira emulação para ver qual apresentaria mais belo, completo e rico presépio pelo Natal. O Natal europeu com Papai Noel em carro de renas, vestido para a neve e para o frio, trazendo presentes para as crianças, não existia em Ilhéus.

Era o Natal dos presépios, das visitas às casas de mesa posta, das ceias após a missa do galo, do início dos folguedos populares, dos reisados, dos ternos de pastorinhas, dos bumba-meu-boi, do vaqueiro e da caapora (estilo musical).

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