terça-feira, fevereiro 28, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA





Episódio Nº 34



Ano a ano foram as meninas Dos Reis aumentando o seu presépio. E à proporção que o tempo das danças foi passando, mais tempo lhe dedicavam, juntando-lhe novas figuras, ampliando o tablado sobre o qual era montado terminando por abranger três dos quatro lados da sala.

Entre Março e Novembro, todas as horas deixadas pelas visitas obrigatórias às Igrejas (às seis da manhã para a missa, às seis da tarde para a bênção), pela confecção dos saborosos doces vendidos pelo moleque Tuísca a uma freguesia certa, pelas visitas a amigos e vagos parentes, pelo comentário da vida alheia com a vizinhança, dedicavam-nas a recortar figuras de revistas e almanaques, cuidadosamente depois coladas em papelão.

Nos trabalhos de montagem no fim do ano, eram elas auxiliadas pelo Joaquim, empregado da papelaria Modelo, tocador de bombo da Euterp 13 de Maio, que se considerava assim um temperamento de artista. João Fulgêncio, o Capitão, Diógenes (dono do Cineteatro Ilhéus e protestante) alunas do Colégio das Freiras, o professor Josué, Nhô Galo, apesar de anti-clerical exaltado, eram fornecedores assíduos de revistas.

Quando em Dezembro o trabalho apertava, vizinhas e amigas, moças estudantes, após os exames, vinham ajudar as velhas. O grande presépio chegava a ser quase propriedade colectivo da comunidade, orgulho dos habitantes e o dia da sua inauguração era dia de festa, cheia a casa das irmãs Dos Reis, os curiosos aglomerados na rua, ante as janelas abertas para ver o presépio iluminado com lâmpadas multicolores, trabalho também de Joaquim, que nesse dia glorioso embebedava-se intrepidamente com os licores açucarados das solteironas.

Representava o presépio, como era de esperar-se, o nascimento de Cristo na cocheira pobre da distante Palestina.

Mas, ah! A árida terra oriental era hoje apenas o detalhe no centro do mundo variado onde se misturavam democraticamente cenas e figuras, as mais diversas, dos mais diferentes períodos da história, ampliando-se ano a ano.

Homens célebres, políticos, cientistas, militares, literatos e artistas, animais domésticos e ferozes, maceradas faces de santo ao lado da radiosa carnação de estrelas seminuas de cinema.

Sobre o tablado elevava-se uma sucessão de colinas, com um pequeno vale ao centro, onde ficava a estrebaria com o berço de Jesus, Maria sentada ao lado, São José, de pé, segurando pelo cabresto um tímido jumento. Essas figuras não eram as maiores nem as mais ricas do presépio. Ao contrário pareciam pequenas e pobres ao lado das outras, mas, como eram as do primeiro presépio por elas montado, Quinquina e Florzinha faziam questão de conservá-las.

Já o mesmo não acontecia com o grande e misterioso cometa anunciador do nascimento, suspenso por fios entre a estrebaria e um céu de pano azul perfurado de estrelas. Era a obra prima do Joaquim, alvo de elogios que o deixavam de olhos húmidos: uma enorme estrela de cauda vermelha, tudo em papel celofam, tão bem concebida e realizada que parecia dela nascer toda a luz a resplandecer no imenso presépio.

Na proximidade da estrebaria, vacas acordadas do seu pacífico sono pelo acontecimento, cavalos, gatos, cachorros, galos, patos e galinhas, animais variados, um leão e um tigre, uma girafa, adoravam o recém-nascido. E guiados pela luz da estrela de Joaquim, ali estavam os três reis magos, Gaspar, Melchior e Baltazar, trazendo ouro, incenso e mirra. Duas figuras bíblicas, as dos reis brancos recortadas há muito tempo de um almanaque.

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