domingo, fevereiro 19, 2012

HOJE É

DOMINGO
(Da minha cidade de Santarém)



Conta-se daquele homem que já muito velhinho, sentindo-se bastante doente, levantou-se da cama, saiu ao quintal e por momentos abraçou cada uma das suas árvores. Depois, regressou a casa, deitou-se novamente e morreu tranquilo.

Era irrelevante que as árvores fossem diferentes: uma figueira, uma laranjeira e uma oliveira. A todas, ao longo de uma vida, tratara de igual modo: regara-as de acordo com as suas necessidades, tirara-lhes os ramos secos.

Elas, em troca, deram-lhe a sombra à qual se recolhia nas solarengas tardes de verão e os frutos que ele colhera com carinho: figos pretos de tamanho médio, doces e saborosos, laranjas grandes e sumarentas e azeitonas, que ele retalhava, demolhava para perderem o sabor acre e depois temperava com sal e orégãos para serem comidas com nacos de pão de trigo caseiro. Como me dizia a minha avó, quando eu era garoto e afirmava que não gostava da comida: …“então come pão com azeitonas”, menu dos pobres na aldeia.

Naqueles momentos em que percebera que a vida o ia abandonar não conseguiu evitar vê-las mais uma vez, tocar-lhes com afecto, no fundo… despedir-se delas. Tinham sido tantos anos de uma relação sempre presente, de uma amizade em que ambos, homem e árvores, se ajudaram a sobreviver e, mais importante, foram uma companhia fiel.

De certa forma, é uma falácia afirmarmos que somos donos das árvores…elas vivem muito mais tempo que nós, a maioria esmagadora das que nos viram chegar vêm-nos partir, já cá estavam quando nascemos e cá ficam depois de morrermos. As suas vidas correspondem à vida de gerações de pessoas, algumas mantém-se vivas durante centenas de anos para não referir já o velho pinheiro de “matusálém”, da espécie Pinus Longaeva, da Califórnia, que sobreviveu 4.800 anos.

Quanto ao seu tamanho, algumas deveriam ser consideradas monumentos, não da Humanidade mas da Natureza:

- As Sequóias “Sempre Verdes” da costa norte-americana do Pacífico batem todos os recordes chegando a atingir, a mais alta, 115,6 metros;

- A Sequóia “Gigante”, a maior árvore do mundo, tem 1.489 m3 de volume o que significa que seria necessária uma frota de quase 40 camiões TIR de 40 toneladas cada para a transportar.

Este conjunto de Sequóias encontram-se hoje resguardado no Parque Nacional das Sequóias, na Califórnia.

Mas o homem, que se tem permitido destruir sem dó nem piedade esta herança fabulosa de vida, continua cego por interesses de “hoje” sacrificando o futuro das gerações que o seguem. No fundo, prevalece o egoísmo da geração presente numa postura que se traduz no tal: “quem vier atrás que feche a porta…”. O materialismo, a ganância pelo dinheiro tornou-o irresponsável, insensível.

Mas nem sempre terá sido assim:

- O homem do paleolítico vivia em comunhão com a natureza numa época em que predominavam as florestas e, no silêncio das noites, nos seus locais de dormida, ele ouvia os sons do vento perpassarem por entre as folhas dos ramos mais altos das árvores que o rodeavam.

Esses sons pareciam uma conversa em privado, umas vezes ligeiramente mais acalorada, outras em frases mais longas e monocórdicas interrompidas por silêncios intermitentes.

O homem do paleolítico ouvia, deitado, e pareceu-lhe a ele, ser primitivo, que eram os deuses que falavam com as árvores.

Humilde, frágil, dependente da natureza, mas muito sagaz e observador, pensou aproveitar aquele relacionamento entre árvores e deuses a seu favor utilizando aquelas como intermediárias entre ele e os deuses.

Assim, discretamente, levantava-se, dirigia-se a uma das árvores mais altas, tocava-lhe com respeito e contava-lhe as suas angústias, os seus medos e receios e pedia-lhe que solicitasse aos deuses, nas suas conversas, a protecção para si, para a sua família e para o seu grupo.

Passaram-se milénios e quase tudo aconteceu de então para cá: fomos compreendendo melhor as forças da natureza, domesticámos plantas e animais, construímos cidades e civilizações e, progressivamente, temos vindo a desenlear o fio do conhecimento científico. No entanto, apesar de um tão longo caminho percorrido desde então, eu próprio, que nem sequer sou crente, dou por mim a bater com os nós dos dedos da minha mão fechada na madeira do tampo da mesa – à falta de uma árvore - para afastar os mais presságios, tal como o meu antepassado remoto…

…. Por isso, eu gostava de lhes pedir licença para lhes chamar de minhas irmãs árvores.



(Click na imagem do grupo de campinos, em frente da Casa do Campino, no largo onde, há anos atrás, tinha lugar a Feira de Santarém)

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