sábado, fevereiro 18, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA





Episódio Nº 26



- Política de lugarejo. Com tiroteios e banda de música – sorriu Emílio entre irónico e condescendente.

- Para que correr perigo quando não é necessário? – perguntou a mãe escondendo o temor.

- Para não ser apenas o irmão dos meus irmãos. Para ser alguém.

Revirara o Rio de Janeiro. Andara nos Ministérios, tratava os ministros por tu, ia entrando gabinete adentro, quantas vezes não encontrara cada um deles em sua casa, sentado na mesa presidida pela mãe, ou na casa de Lourival, em São Paulo, sorrindo para Madaleine? Quando o Ministro de Educação, seu rival na disputa das graças de uma holandesa, anos antes lhe dissera já ter respondido ao Governador da Baía afirmando só poder equiparar equiparar o colégio de Enoch no começo do ano, Mundinho rira:

- Filho meu, tu deves muito a Ilhéus. Não tivesse eu emigrado para lá e jamais terias dormido com Berta, a holandesinha viciosa. Quero a equiparação para já. Ao Governador podes exibir a lei. A mim não. Para mim o ilegal, o difícil, o impossível…

No Ministério da Viação e Obras Públicas reclamara o engenheiro. O Ministro contara-lhe toda a história da barra de Ilhéus, das docas da Baía, os interesses de gente ligada ao genro do Governador. Aquilo era impossível, justo, sem dúvida, mas impossível, meu caro, completamente impossível: o Governador iria rugir de raiva.

- Foi ele quem te nomeou?

- Não, é claro.

- Pode te derrubar?

- Creio que não…

- E então?

- Não compreendes?

- Não. O governador é um velho, o genro um ladrão, não valem nada. Fim de governo, fim de um clã. Vais ficar contra mim, contra a região mais próspera e poderosa do Estado? Burrice. O futuro sou eu, o Governador é o passado. Além de que, se venho a ti, é por amizade. Posso ir mais alto, bem sabes. Se falar com Lourival e Emílio, tu receberás ordens do Presidente da República para mandares o engenheiro. Não é verdade?

Gozava aquela chantagem com o nome dos irmãos, aos quais, por nenhum preço, pediria fosse o que fosse.

Comeu com o Ministro à noite, havia música e mulheres, champanhe e flores. No mês seguinte o engenheiro estaria em Ilhéus.

Três semanas andara pelo Rio, voltara à vida de antes: às festas, às farras, às moças de alta sociedade, às artistas de teatro musicado. Admirava-se de como tudo aquilo que fora a sua vida durante anos e anos, agora tão pouco o seduzia, logo o cansava. Em verdade sentia falta de Ilhéus, do seu escritório movimentado, das intrigas, dos disse-que-disse, de certas figuras locais.

Nunca pensara poder adaptar-se tanto, tanto prender-se. A mãe apresentava-lhe moças ricas, de famílias importantes, buscava-lhe noiva que o arrancasse de Ilhéus. Lourival queria levá-lo a São Paulo, Mundinho ainda era sócio das fazendas de café, devia visitá-las. Não foi; apenas cicatrizava a ferida no seu peito, apenas desaparecera a imagem de Madaleine dos seus sonhos, não iria revê-la, sofrer seus olhos de perseguição.

Paixão monstruosa, jamais confessada, mas sentia por ele e por ela, sempre a um passo de se atirarem um sobre o outro. A Ilhéus devia a cura, para Ilhéus vivia agora.


(Cick na imagem de uma Ilhéus tranquila, segura, próspera e pacata em plena costa do cacau. A história de Ilhéus começa quando o Brasil era colónia portuguesa. Foi uma das 15 Capitanias Hereditárias e o primeiro donatário foi Jorge Figueiredo Corrêa que não aceitou por não querer deixar o cargo que tinha em Portugal. No seu lugar, enviou o genro, o galego Francisco Romero)

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