Entrevista com Mário Soares (cont.)
Disse-lhe -lhe: "Pois vai. O que é que hei-de fazer? Sair do Partido neste momento e da Candidatura, a meio?"
No final do despacho, trabalhava com ele todas as manhãs, disse-lhe: "Senhor general, tenho que lhe dizer uma coisa pessoal. Em democracia, temos de fazer as nossas opções. Acho que a política faz-se com partidos. Sempre me considerei uma pessoa de esquerda. Por isso, quero dizer ao senhor general que aderi ao Partido Comunista." Não disse que já era, isso então era o fim! O general ficou a olhar para mim, estava na cama, recebia-me quase sempre na cama...
Recebia-o na cama?
Recebia sempre na cama. Levantava-se tarde, por volta da uma hora. Tinha o gosto de ler o "Times" sempre na cama, tinha os seus hábitos, de estilo inglês. O meu pai era amigo dele. Ele sabia por isso quem eu era e gostava imenso de mim. Quando lhe disse isso, só exclamou: "Não sabia!" E calou-se. "Se o senhor general quiser fazer alguma pergunta..." Ficou a olhar para mim, sem dizer nada. Tínhamos acabado o despacho, despedi-me.
E não estranhou?
Estranhei. Mas não houve uma recriminação. Nada. Desci para o primeiro andar, onde estava o prof. Azevedo Gomes, que era o director de campanha. "E então?" perguntou-me. "Correu bem. O general, parece-me, que achou normal. Não fez qualquer comentário." "A sério?", perguntou Azevedo Gomes. "Sim", disse eu. "Se me dá licença vou agora aqui com os meus colegas almoçar para festejar." (risos)Saímos e quando voltámos, duas horas depois, estava tudo em bolandas. O general tinha mandado retirar toda a documentação que estava no primeiro andar, para o andar dele. Tirou tudo!
Despediu-o?
O que o Prof. Azevedo Gomes me disse foi:
No final do despacho, trabalhava com ele todas as manhãs, disse-lhe: "Senhor general, tenho que lhe dizer uma coisa pessoal. Em democracia, temos de fazer as nossas opções. Acho que a política faz-se com partidos. Sempre me considerei uma pessoa de esquerda. Por isso, quero dizer ao senhor general que aderi ao Partido Comunista." Não disse que já era, isso então era o fim! O general ficou a olhar para mim, estava na cama, recebia-me quase sempre na cama...
Recebia-o na cama?
Recebia sempre na cama. Levantava-se tarde, por volta da uma hora. Tinha o gosto de ler o "Times" sempre na cama, tinha os seus hábitos, de estilo inglês. O meu pai era amigo dele. Ele sabia por isso quem eu era e gostava imenso de mim. Quando lhe disse isso, só exclamou: "Não sabia!" E calou-se. "Se o senhor general quiser fazer alguma pergunta..." Ficou a olhar para mim, sem dizer nada. Tínhamos acabado o despacho, despedi-me.
E não estranhou?
Estranhei. Mas não houve uma recriminação. Nada. Desci para o primeiro andar, onde estava o prof. Azevedo Gomes, que era o director de campanha. "E então?" perguntou-me. "Correu bem. O general, parece-me, que achou normal. Não fez qualquer comentário." "A sério?", perguntou Azevedo Gomes. "Sim", disse eu. "Se me dá licença vou agora aqui com os meus colegas almoçar para festejar." (risos)Saímos e quando voltámos, duas horas depois, estava tudo em bolandas. O general tinha mandado retirar toda a documentação que estava no primeiro andar, para o andar dele. Tirou tudo!
Despediu-o?
O que o Prof. Azevedo Gomes me disse foi:
- "Ó Mário, depois de você sair, fui chamado lá acima ao general. Estava furiosíssimo, sentia-se traído, por si e queria-o pôr fora da Candidatura. Tive de lhe dizer: "Senhor general, se expulsa o Mário Soares, eu também saio e vai ver que há mais outras pessoas que se demitem." O General disse: "Então eu não o quero ver mais, enquanto houver Candidatura!" E assim foi! Nunca mais despachou comigo, nunca mais me falou, nunca mais me deu uma ordem! Eu estava para ir ao grande comício que se fez no Porto e ele proibiu-me. Disse ao Azevedo Gomes que eu estava proibido de ir a qualquer comício em que ele estivesse. Isto foi a meio da Campanha e eu nunca mais vi o Norton de Matos!
Não fomos às eleições, isto é: não votámos, mas estive esse dia todo na Candidatura, até ao fim, a queimar papéis, com a PIDE a rondar. Depois fui para casa, isto é: para casa dos meus pais, ainda era solteiro. Às sete da manhã, fui prevenido por uma criada: "Fuja, fuja, que está ali a polícia." E eu em pijama, com umas pantufas e um sobretudo, fugi pelas traseiras do Colégio - não havia Universidade ainda.
Era uma quinta vasta, que em parte, pertencia ao Colégio. Cheguei à rua da Beneficência, apanhei um táxi e fui para casa do meu amigo Barradas de Carvalho, que era também comunista, um amigo-irmão, até à morte. Ele morreu comunista já depois do 25 de Abril. Mas em 75 dava-me razão, também achava uma loucura o que se estava a passar. Fui a casa do Barradas, ele também vivia em casa dos pais, ali ao pé da Igreja de Fátima. Estava a dormir, acordei-o. "Olha, a PIDE foi a minha casa, no Colégio." Nós, nessa altura, vivíamos ainda no Colégio.
Viviam mesmo no edifício do Colégio?
Vivíamos, o meu pai, a minha mãe e eu. Tínhamos uma casa à parte. Mas no Colégio. Pedi ao Barradas para me ir buscar dinheiro e roupa. Eu não queria entrar na clandestinidade. Sempre lhes disse. "Faço o que vocês quiserem, mas não vou para a clandestinidade! Isso não!"
Por que é que não queria ir para a clandestinidade?
Porque a clandestinidade era o fim de uma vida livre! Era um militante comunista e antifascista, mas pensava que se entrasse na clandestinidade era como se fosse um frade laico. Tinha de abandonar o curso de Letras, deixar de ver as pessoas que eu conhecia, os meus amigos, o meu estilo de vida, não ir ao cinema, às exposições, etc. Estava disposto a correr o risco de ser preso, mas não queria ir para a clandestinidade. Modéstia à parte, julgo que estavam convencidos que eu poderia dar um grande militante do PCP. Mas eu queria pensar pela minha cabeça, apesar de comunista. Não era um fanático. Nunca fui! Era comunista, porque o Partido Comunista era a única organização que se batia na Universidade contra o regime. (continua)
Viviam mesmo no edifício do Colégio?
Vivíamos, o meu pai, a minha mãe e eu. Tínhamos uma casa à parte. Mas no Colégio. Pedi ao Barradas para me ir buscar dinheiro e roupa. Eu não queria entrar na clandestinidade. Sempre lhes disse. "Faço o que vocês quiserem, mas não vou para a clandestinidade! Isso não!"
Por que é que não queria ir para a clandestinidade?
Porque a clandestinidade era o fim de uma vida livre! Era um militante comunista e antifascista, mas pensava que se entrasse na clandestinidade era como se fosse um frade laico. Tinha de abandonar o curso de Letras, deixar de ver as pessoas que eu conhecia, os meus amigos, o meu estilo de vida, não ir ao cinema, às exposições, etc. Estava disposto a correr o risco de ser preso, mas não queria ir para a clandestinidade. Modéstia à parte, julgo que estavam convencidos que eu poderia dar um grande militante do PCP. Mas eu queria pensar pela minha cabeça, apesar de comunista. Não era um fanático. Nunca fui! Era comunista, porque o Partido Comunista era a única organização que se batia na Universidade contra o regime. (continua)
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