quinta-feira, março 08, 2012

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 42


Desfilavam dezenas de pessoas diariamente. Mas quando fazia sol, às dez horas, estivesse quem estivesse, ele se levantava, desculpava-se, tomava da bengala, vinha para a praça. Sentava-se num banco do jardim, não tardava a aparecer alguém para fazer-lhe companhia.

Seus olhos passeavam pela praça, pousavam no edifício da Intendência. O coronel Ramiro Bastos contemplava tudo aquilo como se fosse propriedade sua. E assim o era um pouco, pois ele e os seus governavam Ilhéus desde muitos anos.

Era um velho seco, resistente à idade. Seus olhos pequenos conservavam um brilho de comando, de homem acostumado a dar ordens. Sendo um dos grandes fazendeiros da região, fizera-se chefe político respeitado e temido. O poder viera às suas mãos, durante as lutas pela posse da terra, quando o poderio de Cazuza Oliveira desmoronou-se. Apoiara o velho Seabra, esse entregou-lhe a região. Fora duas vezes Intendente, era agora senador estadual.

De dois em dois anos mudava o Intendente em eleições a bico de pena, mas nada mudava em realidade, pois quem continuava a mandar era mesmo o coronel Ramiro, cujo retrato de corpo inteiro se podia ver no salão nobre da Intendência, onde se realizavam conferências e festas.

Amigos incondicionais ou parentes seus revezavam-se no cargo, não moviam uma palha sem sua aprovação. Seu filho, médico de crianças e deputado estadual deixara fama de bom administrador. Abrira ruas e praças. Plantara jardins, durante sua gestão a cidade começara a mudar de fisionomia.

Falava-se ter assim sucedido para facilitar a eleição do rapaz à Câmara Estadual. A verdade porém é que o coronel Ramiro amava a cidade à sua maneira, como amava o jardim de sua casa, o pomar de macieiras e pereiras, muitas vindas da Europa. Gostava de ver a cidade limpa (e para isso fizera a Intendência adquirir caminhões), calçada ajardinada, com bom serviço de esgotos. Animava as construções de boas casas, alegrava-se quando os forasteiros falavam da graça de Ilhéus com suas praças e jardins.

Mantinha-se, por outro lado obstinadamente surdo a certos problemas, a reclamações diversas: criação de hospitais, fundação de um ginásio de campos de desportos. Torcia o nariz ao Clube Progresso e nem queria ouvir falar da dragagem da barra. Cuidava de tais coisas quando não tinha jeito, quando sentia abalar-se o seu prestígio. Assim fora com a estrada de rodagem, obra das duas Intendências, a de Ilhéus e a de Itabuna.

Olhava com desconfiança certos empreendimentos e, sobretudo, certos hábitos novos. E como a oposição estava reduzida a um pequeno grupo de descontentes sem força e sem maior expressão, o coronel fazia quase sempre o que queria, com um supremo desprezo pela opinião pública.

No entanto, apesar de sua teimosia, nos últimos tempos sentia o seu indiscutível prestígio, sua palavra como lei, um tanto ou quanto abalados. Não pela oposição, gente sem conceito. Mas pelo próprio crescimento da cidade e da região que às vezes parecia querer fugir das suas mãos agora trémulas.

Suas próprias netas não o criticavam porque ele fizera a Intendência negar uma ajuda de custo ao Clube progresso? E o jornal de Clóvis Costa não ousara discutir o problema do ginásio? Ele ouvira a conversa das netas: “Vovô é um retrógrado!”

Ele compreendia, aceitava os cabarés, as casas de mulheres da vida, a orgia desenfreada das noites de Ilhéus.

Os homens precisavam daquilo, ele também fora jovem.



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