segunda-feira, março 26, 2012

Mário Soares (continação)





Portanto, o Barradas foi a minha casa, já tinha de lá saído a PIDE, ele era cuidadoso em matéria conspirativa. Nós éramos muito atentos à vigilância da PIDE. Por exemplo, quanto às escutas telefónicas, sempre tive um imenso cuidado.

Sempre teve cuidado com os telefones?

Sempre! Eu estive preso 12 vezes! Nunca me apanharam um papel! Tinha cuidados, era disciplinado nessa matéria. Nesse dia almocei com o Barradas, tomei banho em casa dele, fiz a barba, vesti- -me, ele tinha-me ido buscar o fato e as camisas. E fui para a Boa-Hora onde estava a ser julgado, por causa do MUD Juvenil, de outra prisão anterior. Estavam lá o Zenha e todo o grupo da direcção do MUD Juvenil. Entrei na Boa-Hora, os tipos da PIDE caíram-me em cima e levaram-me preso para a sede. Para o Aljube e depois para a Penitenciária. Estive ali preso algum tempo. E, entretanto, foi preso também o Cunhal, no Luso.

Estiveram juntos na prisão?

Não, nunca estivemos juntos, mas estivemos presos no mesmo sítio, a Penitenciária. Em celas individuais e afastadas. Nunca o vi. Soube por um guarda que ele estava lá. A PIDE tinha-lhe apreendido imensos relatórios na casa onde Cunhal foi preso. Inclusivamente notas que eu tinha enviado ao Secretariado. Mas eu nunca assinei com o meu nome, tinha um pseudónimo.

Qual era o seu pseudónimo no PCP?

O meu era Fontes. Mais tarde, para escrever nos jornais estrangeiros, usei: Carlos Fontes. Tínhamos uma direcção da juventude comunista, onde estava o Octávio Pato, um ex-prisioneiro saído do Tarrafal e eu. Um dia estávamos numa reunião em casa do pai de um camarada nosso, na avenida Fontes Pereira de Melo. Tínhamos a tarefa de arranjar pseudónimos. Eu disse: "É simples. Estamos aqui na Fontes Pereira de Melo. Eu sou Fontes, tu, Octávio, és o Melo e este (não me lembro do nome) és o Pereira". Assim ficou. Conto-lhe, a propósito, quanto ao pseudónimo uma história engraçada. Há um grande escritor mexicano, que se chama Carlos Fuentes. Somos amigos. Um dia na Embaixada do México em Bruxelas, encontramo-nos numa cerimónia. E o embaixador, um nosso amigo comum, Muñoz Ledo, contou-lhe do meu pseudónimo. No seu discurso Fuentes, contou a história e rematou assim: "As coisas no México não vão bem, se tiver de passar à clandestinidade, refugio-me na Europa, com o pseudónimo de Mário Soares..."

E trocava mensagens com o Cunhal, na prisão?

Não, nem pensar. Só voltei a ver o Cunhal um ano e tal depois, já eu estava em liberdade, a estudar Direito. Vi-o quando fui com o Zenha e a minha mulher e conseguimos entrar na sala de audiências, onde estava o Cunhal, como réu. Foi uma sessão fantástica! Fui lá cumprimentá- -lo, apesar de nessa altura eu já não ser do Partido Comunista.

E aí encontrou-se com Álvaro Cunhal...
(continua)

Site Meter