sexta-feira, março 30, 2012

Mário Soares (continuação)









Não gostou sempre muito mais do Spínola do que do Costa Gomes?

Não. Eu achava que o Spínola era um grande cabo de guerra, um grande chefe militar. Mas não era um político. Era um homem muito influenciável. Quanto ao Costa Gomes, nunca o percebi muito bem. Era um homem de muita argúcia. De grande inteligência, mas também de alguma ambiguidade. Contudo, no 25 de Novembro, portou-se bem. Foi ele que convenceu o Cunhal a desistir. Contou as espingardas e percebeu que os partidários do poder popular (comunistas e esquerdistas) estavam perdidos.

Sempre achei que gostava mais do Spínola...

Do ponto de vista afectivo, sem dúvida. Mas do ponto de vista intelectual, eu tinha um bom entendimento com Costa Gomes. Era um homem inteligente, como disse, pouco falador, muito reflexivo e muito ambíguo. Nunca se sabia de que lado estava...

Mas acha que foi Costa Gomes que evitou a guerra civil?

Não tenho dúvidas que contribuiu bastante. Ele esteve metido quase até ao último minuto, mas quando viu que nós tínhamos muito maior força militar... O Porto e todo o Norte era nosso, Cortegaça e toda a aviação estavam connosco. Tínhamos um petroleiro inglês em frente a Leixões, para abastecer de gasolina todos os aviões que tinham ido com o Lemos Ferreira para Cortegaça. Os radicais não tinham aviões. Tinham pára-quedistas, algumas forças mais ou menos dispersas. Nós tínhamos os comandos, com Jaime Neves, alguns quartéis em Lisboa. Eles julgavam que tinham os fuzileiros, mas os fuzileiros e a Marinha declararam-se neutrais. A partir daí perceberam que não tinham força militar para nos fazer frente...

Porque é que a direita reclama a vitória do 25 de Novembro? Só vejo lá pessoas de esquerda, o senhor, Melo Antunes, Vasco Lourenço...

Pois claro. A direita só contou em Braga. Foi o PS que organizou todas as manifestações. A direita andava fugida, silenciosa e alguns iam às nossas manifestações. Vi lá pessoas de extrema-direita que eu conhecia, de punho erguido a dizer: "PS, PS!". E há outra coisa muito importante no 25 de Novembro: a neutralidade do Otelo que
nunca gostou dos comunistas, mas era esquerdista e era manipulado por aquele grupo da Isabel do Carmo e do Carlos Antunes. Mas era uma pessoa que tinha um certo bom senso, ao contrário do que dizem. Tanto que, uma vez, num comício que nós fizemos no dia 2 de Maio de 1975, que foi a nossa arrancada para a rua, depois de não nos terem deixado entrar no estádio 1.o de Maio e nos expulsaram da tribuna, ao Zenha e a mim, apesar de ambos sermos ministros do Governo... Nessa altura, houve alguém que começou a gritar: "A foice e o martelo na cabeça do Otelo!" Eu fiquei incomodado. Estava na janela da sede do Partido (hoje FAUL) a discursar quando eles começaram a berrar esse slogan. E eu disse:
- "Camaradas, não se enganem de direcção! O Otelo é um epifenómeno, não é nosso inimigo!" Nunca foi, de resto.
Agora, nesta campanha eleitoral para as legislativas, fez uma espécie de passagem de testemunho a José Sócrates, com aquele "Sócrates é fixe", no comício do Porto. Acha que é o seu herdeiro no PS?
Não. Não tenho a pretensão de ter herdeiros. Quis dizer apenas que Sócrates era o homem que tinha a legitimidade para ganhar as eleições, porque representava o PS. E que, em momento de crise, no meu entender, era preciso para o país que ganhasse.
Mas nunca fez isso a nenhum líder anterior do PS...
Não, porque também nunca houve uma possibilidade tão grande de perder as eleições... Quis dar a contribuição máxima que podia dar.
(continua)

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