quarta-feira, abril 11, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA





Episódio nº 71




- Heroína? Não me venha com literaturas. Não queira absolver a pecadora. Onde iríamos parar? – Doutor Maurício suspendia a mão num gesto ameaçador. – Tudo isso é resultado da degeneração dos costumes que começa a imperar na nossa terra: bailes e tardes dançantes, festinhas em toda a parte, namorinhos na escuridão dos cinemas. O cinema ensinando como enganar os maridos, uma degradação.

- Ora, Doutor não culpe nem o cinema nem os bailes. Antes de existir tudo isso já as mulheres traíam os maridos. Esse costume vem de Eva com a serpente… – riu João Fulgêncio.

O Capitão o apoiou. O advogado via fantasmas. Ele também, Capitão, não desculpava mulher casada esquecida dos seus deveres. Mas daí a querer culpar o Clube Progresso, os cinemas… Porque não culpava certos maridos que nem ligavam para as esposas, tratavam-nas como criadas, enquanto davam de um tudo, jóias e perfumes, vestidos caros e luxos, às raparigas, às mulheres da vida que sustentavam ou às mulatas para quem buscavam casa?

Bastava olhar ali mesmo na praça: aquele luxo de Glória vestindo-se melhor que qualquer senhora: será que o coronel Coreolano gastava tanto com a esposa?

- Também é uma velha decrépita…

- Não estou falando dela e sim do que se passa. É ou não assim?

- Mulher casada é para viver no lar, criar os filhos, cuidar do esposo e da família…

- E as raparigas para esbanjar o dinheiro?

- Quem eu não acho tão culpado é o dentista. Afinal… João Fulgêncio interrompia a discussão, as palavras indignadas do Capitão podiam ser mal interpretadas pelos fazendeiros presentes.

O dentista era solteiro, jovem, desocupado coração, se a mulher o achava parecido com São Sebastião que culpa tinha ele, não era sequer católico, formava com Diógenes a dupla de protestantes da cidade…

- Nem católico era, Doutor Maurício.

- Porque não pensou ele, antes de acoitar-se com mulher casada, na honra impoluta do esposo? – inquiriu o advogado.

- Mulher é tentação, é o diabo, vira a cabeça da gente.

- E você acha que ela se atirou assim, sem mais nem menos, nos braços dele. Que ele não fez nada, inocente?

A discussão entre os dois admirados intelectuais – o advogado e João Fulgêncio, um solene e agressivo, defensor sectário da moral, o outro bonachão e risonho, amigo da blague e da ironia, nunca se sabendo quando falava a sério – empolgava a assistência.

Nacib adorava ouvir uma discussão assim. Ainda mais estando presentes, e podendo participar, o Doutor, o Capitão, Nhô-Galo, Ari Santos…

Não, João Fulgêncio não achava Sinhàzinha capaz de ter se atirado nos braços do dentista, assim sem mais nem menos. Que ele lhe dissera frases adocicadas, era perfeitamente possível. Mas – perguntava – não seria essa a mais mínima obrigação de um bom dentista? Galantear um pouco as clientes amedrontadas ante os ferros, o motor, a cadeira assustadora? Osmundo era bom dentista, dos melhores de Ilhéus, quem o negaria? E quem negaria também o medo que os dentistas inspiram? Frases para criar ambiente, afastar o temor, inspirar confiança.



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