GABRIELA CRAVO E CANELA
Episódio Nº 80
- Vai contratar
Dr. Maurício para a defesa.
- Está em boas
mãos. Vamos ter no júri o Velho e o Novo Testamento.
- Também… nem
precisa de advogado. Absolvição certa. O Capitão voltava-se segurando uma pedra
do gamão, desafogava:
- Esse Maurício
é um saco de hipocrisia… Viúvo descarado.
- Dizem que não
há negrinha que se aguente nas suas mãos…
- Já ouvi
falar…
- Tem uma, do
morro do Unhão, vem quase toda a noite para sua casa.
Na porta do cinema voltavam a aparecer o Príncipe e
Anabela, Diógenes a comboiá-los com sua cara triste. A mulher tinha um livro na
mão.
- Vêm para cá…
- murmurou o coronel Ribeirinho.
Levantavam-se à aproximação de Anabela, ofereciam
cadeiras. O livro, um álbum encadernado em couro, passava de mão em mão. Continha
recortes de jornais e opiniões manuscritas sobre a dançarina.
- Depois de
minha estreia quero a opinião dos senhores todos – Estava de pé, não aceitara
sentar-se: « Já vamos para o hotel», encostava-se na cadeira do coronel
Ribeirinho.
Estrearia no Cabaré naquela mesma noite, no outro dia
exibir-se-iam, ela e o Príncipe, no cinema, em números de prestidigitação.
Ele hipnotizava, era um colosso na telepatia. Acabavam
de fazer uma demonstração para Diógenes; o dono do cinema confessava nunca ter
visto nada igual.
No átrio da igreja, as solteironas, já tão excitadas
com o duplo assassínio, fitavam a cena, apontavam a mulher:
- Mais uma para
virar a cabeça dos homens…
Anabela perguntava numa voz meiga:
- Ouvi dizer
que hoje ouve um crime aqui ?
- Verdade, um
fazendeiro matou a mulher e o amante.
- Coitadinha… –
comoveu-se Anabela, e essa foi a única palavra a lastimar o triste destino de
Sinhàzinha nessa tarde de tantos comentários.
- Costumes
feudais… – pronunciou Tonico Bastos voltado para a dançarina – aqui ainda vivemos no século passado.
O Príncipe sorria, desdenhoso, aprovou com a cabeça,
engoliu a cachaça pura, não gostava de misturas. João Fulgêncio restituiu o
álbum, onde lera elogios ao trabalho de Anabela. O casal despedia-se. Ela
queria descansar antes da estreia.
- Espero hoje
todos no Bataclan.
- Lá estaremos
com certeza.
As solteironas enchiam o átrio da igreja,
escandalizadas, persignavam-se. Terra de perdição, essa de Ilhéus…
No portão da casa do coronel Melk Tavares, o professor
Josué conversava com Malvina. Glória suspirava em sua janela solitária. A tarde
caía em Ilhéus.
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