sábado, maio 26, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 108



Porque diferente, que queria dizer João Fulgêncio, homem tão ilustrado com aquela coisa de “carácter”? A verdade é que ela aparecera no velório, levando flores. O pai visitara Jesuíno, “levara-lhe o seu abraço” como ele mesmo dissera a Nacib no “mercado de escravos”.

A filha, moça solteira e estudante, à espera de noivo, que diabo fora fazer junto ao caixão de Sinhàzinha? Tudo dividido, o pai de um lado, a filha do outro. Esse mundo é complicado, entenda-o quem quiser, estava acima de suas forças, não passava de dono de bar, porque pensar em tudo isso?

Tinha era de ganhar dinheiro para um dia comprar roça de cacau. Se Deus ajudasse, haveria de comprar. Talvez então pudesse olhar o rosto de Malvina, tentar decifrar o seu enigma. Ou pelo menos botar casa para rapariga igual a Glória.

Estava com sede, foi beber água na moringa da cozinha. Viu o pacote com o vestido e os chinelos, trazidos da loja do tio. Ficou indeciso. O melhor era entregar no outro dia. Ou botar na porta do quartinho dos fundos para a empregada encontrar quando acordasse. Como se fosse Natal…

Sorriu, tomou do embrulho. Na cozinha engoliu a água em grandes goles, bebera muito naquele dia, durante o jantar, ajudando a servir.

A Lua, no alto dos céus, iluminava o quintal de mamoeiros e goiabeiras. A porta do quarto da empregada estava aberta. Talvez por causa do calor. No tempo de Filomena era trancada à chave, a velha tinha medo de, ladrões, sua riqueza eram os quadros dos santos.

O luar entrava quarto adentro. Nacib aproximou-se, deixaria o pacote nos pés da cama, ela levaria um susto pela manhã. E talvez na própria noite…

Os olhos perscrutaram a escuridão. A réstia de luar subia pela cama, iluminava um pedaço de perna. Nacib firmou a vista, já excitado. Esperara dormir essa noite nos braços de Risoleta, nessa certeza fora ao cabaré, antegozando a sabedoria dela, de prostituta de cidade grande. Ficara-lhe o desejo irritado. Agora via o corpo moreno de Gabriela, a perna saindo da cama. Mais do que via, adivinhava sob a coberta remendada, mal cobrindo a combinação rasgada, o ventre e os seios. Um seio saltava pela metade, Nacib procurava enxergar. E aquele perfume de cravo de tontear.

Gabriela agitou-se no sono, o árabe transpusera a porta. Estava com a mão estendida, sem coragem de tocar, o corpo dormido. Porque apressar-se? Se ela gritasse, se fizesse um escândalo, fosse embora? Ficaria sem cozinheira, outra igual a ela jamais encontraria. O melhor era deixar o pacote na beira da cama. No outro dia demoraria mais em casa, ganhando sua confiança pouco a pouco, terminaria por conquistá-la.

Sua mão quase tremia pousando o embrulho. Gabriela sobressaltou-se, abriu os olhos, ia falar, mas viu Nacib de pé, a fitá-la. Com a mão instintivamente procurou o cobertor, mas tudo o que conseguiu – por acanhamento ou por malícia? - foi fazê-la escorregar da cama. Levantou-se a meio, ficou sentada, sorria tímida. Não buscava esconder o seio, agora visível ao luar.

 - Vim trazer-lhe um presente – gaguejou Nacib – ia botar em sua cama. Cheguei agorinha…

Ela sorria, era de medo ou era para encorajar? Tudo podia ser, ela parecia uma criança, as coxas e os seios à mostra, como se não visse mal naquilo, como se nada soubesse daquelas coisas, fosse toda ela inocência. Tirou o embrulho da mão dele:

 - Obrigado, moço. Deus lhe pague.

(carregue na imagem do "casal". Gabriela, "mulher criança". Nacib, "moço de sorte".)

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