sexta-feira, maio 25, 2012


GABRIELA
 CRAVO 
 E
 CANELA

Episódio Nº 107


Noite de Gabriela


Entrou na sala, arrancou os sapatos. Ficava grande parte do dia em pé, andando de mesa em mesa. Um prazer tirar os sapatos, as meias, mexer os dedos dos pés, dar uns passos descalços, enfiar os velhos chinelos “cara de gato”.

Sentimentos e imagens baralhavam-se em sua cabeça. Anabela havia terminado seu número, estaria na mesa dom Ribeirinho bebendo champanhe. Tonico Bastos não aparecera naquela noite.

E o Príncipe? Chamava-se Eduardo da Silva, no seu cartão constava: “artista”. Um clínico, isso sim. Adulando o fazendeiro, empurrando a mulher para seus braços, negociando com o corpo dela. Nacib encolheu os ombros. Talvez fosse apenas um pobre diabo, talvez Anabela não significasse grande coisa para ele, simples ligação acidental de trabalho.

Aquele era seu negócio, seu ganha-pão, tinha cara de já haver passado muita fome. Sujo ganha-pão, sem dúvida, e qual o limpo? Porque julgá-lo e condená-lo? Quem sabe se não seria ele mais decente do que os amigos de Osmundo, seus companheiros de bar, de literatice, de bailes no clube Progresso, de conversas sobre mulheres, todos eles cidadãos honrados mas incapazes de levar o corpo do amigo ao cemitério?...

Homem direito era o Capitão. Pobre, sem outro recurso além do emprego de colector federal, sem roças de cacau, mantinha suas opiniões, enfrentava qualquer um. Não era íntimo de Osmundo, e lá estava no enterro, segurando uma alça do caixão. E o discurso no jantar? Sapecara o nome de Mundinho na cara de todos, na presença do coronel Ramiro Bastos.

Recordando o jantar Nacib estremeceu. Até tiro podia ter saído, foi uma sorte ter terminado em paz. Aliás, era apenas o começo, o próprio Capitão dissera. Mundinho tinha dinheiro, prestígio no rio, amigos no Governo Federal, não era um “porcaria qualquer” como o Dr. Honorato, médico idoso e alquebrado, chefe de oposição a dever favores a Ramiro, a pedir-lhe emprego para os filhos.

Mundinho ia arrastar muita gente, dividir os fazendeiros donos de votos, fazer misérias. Se conseguisse, como prometia, trazer engenheiros e dragas para desentulhar a barra… Podia tomar conta de Ilhéus, botar os Bastos no ostracismo.

Também o velho estava no fim, Alfredo só existia na Câmara por ser seu filho, bom médico de meninos e nada mais.

Quanto a Tonico… aquele não nascera para a política, para mandar e desmandar, fazer e desfazer. A não ser quando se tratava de mulheres. Nem aparecera no cabaré naquela noite. Certamente para não enfrentar as discussões em torno do artigo, não era homem de brigas.

Nacib balançou a cabeça. Amigo de uns e de outros, do Capitão e do Tonico, de Amâncio Leal e do Doutor, com eles bebia, jogava, conversava, ia a casa de mulheres. Deles vinha-lhe o dinheiro que ganhava. E agora se encontravam divididos, cada um para seu lado.

Só numa coisa estavam todos de acordo: em matar mulher adúltera, nem mesmo Capitão defendia Sinhàzinha. Nem mesmo seu primo, em cuja casa o corpo fora encomendado para o cemitério. Que diabo viera ali fazer a filha do coronel Melk Tavares, aquela por quem Josué suspirava apaixonado, uma de rosto famoso, calada, os olhos inquietos como se conduzisse um segredo, um mistério qualquer? Uma vez João Fulgêncio dissera, ao vê-la, com outras colegas comprando chocolate no bar:

 - Essa moça é diferente das outras, tem carácter.

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