sexta-feira, maio 11, 2012



GABRIELA CRAVO E CANELA
Episódio Nº 95


- Se você sabe mesmo cozinhar, lhe faço um ordenadão. Cinquenta mil reis por mês. Aqui pagam a vinte, trinta é o máximo. Se o serviço lhe parecer pesado, pode arranjar uma menina para ajudar. A velha Filomena não queria nenhuma, nunca aceitou. Dizia que não estava morrendo para precisar de ajudante.

 - Também não preciso.

 - E o ordenado? Que me diz?

 - O que o moço quiser pagar tá bom para mim…

 - Vamos ver a comida amanhã. Na hora do almoço mando o moleque buscar… Como mesmo no bar. Agora…

Ela estava esperando, o sorriso nos lábios, a réstia de luar nos seus cabelos e aquele cheiro de cravo.

 - … agora vá dormir, que já é tarde.

Ela foi saindo, ele espiou-lhe as pernas, o balanço do corpo no andar, o pedaço de coxa cor de canela. Ela voltou o rosto.

 - Pois boa noite, seu moço…

Desaparecia no escuro do corredor, Nacib pareceu ouvi-la acrescentar, mastigando as palavras: “moço bonito…”. Levantou-se quase a chamá-la. Não, fora à tarde na feira que ela dissera. Se a chamasse poderia assustá-la, ela tinha um ar ingénuo talvez até fosse moça donzela… Havia tempo para tudo. Nacib tirou o paletó, pendurou na cadeira, arrancou a camisa. O perfume ficara na sala, um perfume de cravo. No dia seguinte compraria um vestido para ela de chita, umas chinelas também. Daria de presente, sem descontar no ordenado. Sentou-se na cama desabotoando os sapatos. Dia complicado aquele. Muita coisa acontecera. Vestiu o camisolão. 

Morena e tanto essa sua empregada. Uns olhos, meu  Deus … E da cor queimada que ele gostava. Deitou-se, apagou a luz. O sono o venceu, um sono agitado; sonhou inquieto com Sinhàzinha, o corpo nu, calçada com meias pretas, estendida morta no convés de um navio estrangeiro entrando na barra. Osmundo fugia de marinete, Jesuíno atirava em Tonico, Mundinho Falcão aparecia com D. Sinhàzinha, outra vez viva, sorrindo para Nacib, estendendo os braços, mas era D. Sinhàzinha com a cara morena da nova empregada. Só que Nacib não podia alcançá-la, ela saía dançando no cabaré.


De enterros e banquetes com parêntesis para contar uma história exemplar.

Ia alto o sol reconquistado na véspera quando, aos gritos de D. Arminda, Nacib acordou:

 - Vamos espiar os enterros, menina. Vale a pena!

 - Inhôra, não. O moço ainda não levantou.

Pulou da cama: Como perder os enterros? Saiu do banheiro já vestido. Gabriela acabava de pôr na mesa os bules fumegantes de café e leite. Sobre a alva toalha, cuscuz de milho com leite de coco, banana-da-terra frita, inhame, aipim.

Ela ficara parada na porta da cozinha, interrogativa:

 - O moço precisa de me dizer o que é que gosta. Engolia pedaços de cuscuz, os olhos enternecidos, a gula a prendê-lo à mesa, a curiosidade a dar-lhe pressa, era hora de enterros.

Divino aquele cuscuz, sublimes as talhadas de banana-frita. Arrancou-se da mesa com esforço. Gabriela amarrara uma fita nos cabelos, devia ser bom morder-lhe o cangote moreno.

Nacib saíu quase correndo para o bar. A voz de Gabriela acompanhava-o no caminho a cantar:

Não vá lá, meu bem
que lá tem ladeira,
escorrega e cai,
quebra o galho da roseira

(Click na imagem: "... devia ser bom morder-lhe o cangote moreno.")

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