quinta-feira, junho 21, 2012

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 130






João Fulgêncio cortava a   conversa:

- Não diga besteira, Maneca, você não entende disso. O livro é muito bom não tem nada de imoral. Essa moça é inteligente.

 - Quem é inteligente – quis saber o Juiz de Direito, abancando-se na cadeira deixada por Clóvis.

Falávamos de Eça de Queiroz, Ilustríssimo – respondeu João Fulgêncio apertando a mão do magistrado.

 - Um autor muito instrutivo… - Para o Juiz todos os autores eram «muito instrutivos». Comprava livros às bateladas, misturando jurisprudência e literatura, ciência e espiritismo. Segundo diziam comprava para enfeitar a estante, impor-se na cidade, não lia nenhum deles. João Fulgêncio costumava perguntar-lhe:

 - Então, digníssimo gostou de Anatole France?

 - Um autor muito instrutivo… - respondia imperturbável o Juiz.

 - Não o achou um tanto ou quanto irreverente?

 - Irreverente? Sim, um tanto ou quanto. Porém muito instrutivo…

Com a presença do Juiz retornaram as penas de Nacib. Velho debochado… Que fizera da rosa de Gabriela, onde a deixara abandonada? Era hora de crescer o movimento do bar, bastava de conversas.

 - Já vai, meu caro amigo? – interessou-se o Juiz – Boa empregada você arranjou… Eu lhe dou os meus parabéns. Como é mesmo o nome dela?

Saiu. Velho debochado… E ainda por cima a perguntar-lhe o nome de Gabriela, velho cínico, sem respeito ao cargo que ocupava. E ainda falavam dele para desembargador…

Ao despontar na praça, divisou Malvina a conversar com o engenheiro na avenida da praia. A moça sentada num banco, Rómulo de pé a seu lado. Ela ria numa gargalhada solta, Nacib nunca a escutara a rir assim.

O engenheiro era casado, a mulher estava louca num hospício. Malvina não tardaria a saber. Do bar, Josué também observava a cena, acabrunhado, ouvia a cristalina gargalhada a ressoar na doçura da tarde. Nacib sentou-se a seu lado, simpatizante de sua tristeza, solidário.

O jovem professor nem buscava esconder a dor de cotovelo a alma. O árabe pensou em Gabriela: O Juiz, o coronel Manuel das Onças, Plínio Araça, muitos outros a rondá-la. O próprio Josué não fazia por menos, a escrever-lhe rimas.

Uma calma infinita cobria a praça, tépida tarde de Ilhéus. Glória debruçava-se na janela. Josué, enfurecido de ciúmes, levantava-se, voltado para a janela proibida de rendas e seios. Tirava o chapéu para cumprimentar Glória, num gesto irreflectido e escandaloso.

Malvina ria na praia, doce tarde de sossego.

Correndo pela rua, arauto de boas e más novas, o negrinho Tuísca, arquejante, parava junto à mesa:

 - Seu Nacib, seu Nacib!

 - O que é, Tuísca?

 - Tocaram fogo no Diário de Ihéus.

 - O quê?

- No prédio? Nas máquinas?

 - Não, senhor. Nos jornais, juntaram um monte na rua, jogaram querosene, foi uma fogueira que nem noite de São João.
(Click na imagem. Está encontrada a rosa que o juiz tirou do cabelo da Gabriela...)

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