segunda-feira, junho 25, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 133


 - Tocaram fogo na edição do Diário. Gente dos Bastos. Por causa desse palerma de engenheiro que chegou hoje…

Glória olhou para a avenida da praia:

 - O moço que está conversando com sua namorada?

 - Minha namorada? Engano, simples conhecimento. Em Ilhéus só tem uma mulher que me tira o sono…

 - E quem é, se pode saber?

 - Posso dizer?

 - Não se acanhe…

Na porta da Igreja, as solteironas arregalavam os olhos; na avenida, Malvina nem se dera conta.

Gabriela na berlinda

Era um gato vadio do morro, quase selvagem. O pelo sujo de barro com tufos arrancados, a orelha despedaçada, corredor de gatas da vizinhança, lutador sem rival, visagem de aventureiro. Roubava em todas as cozinhas da ladeira, odiado pelas donas de casa e empregadas, ágil e desconfiado, jamais tinham conseguido pôr-lhe a mão.

Como fizera Gabriela para conquistá-lo, obter que ele a acompanhasse miando, viesse deitar-se no regaço da sua saia? Talvez porque não o enxotasse com gritos e vassouras quando ele aparecia, audaz e prudente, em busca das sobras da cozinha.

Atirava-lhe pedaços de pelanca, rabos de peixe, tripas de galinha. Ele foi-se habituando, agora passava a maior parte do dia no quintal, dormindo à sombra das goiabeiras. Já não parecia tão magro e sujo, se bem conservasse a liberdade das suas noites, correndo morro e telhados, devasso e prolífero.

Quando, de volta do bar, sentava-se Gabriela para o almoço, vinha ele roçar-se em suas pernas, a ronronar. Mastigava enfarado os bocados que ela lhe dava, miando agradecido quando Gabriela lhe estendia a mão e lhe acariciava a cabeça ou a barriga.

Para Dª. Arminda aquilo era um verdadeiro milagre. Nunca pensara amansar-se animal tão arisco, fazê-lo vir comer na mão, deixar-se tomar ao colo, adormecer nos braços de alguém. Gabriela apertava o gato contra os seios, os olhos semicerrados, rascando-a levemente com as unhas.

Para Dª. Arminda só havia uma explicação. Gabriela era médio, de poderosos eflúvios, não desenvolvida nem mesmo descoberta, diamante bruto a lapidar nas “sessões” para que fosse perfeito aparelho às comunicações do além-túmulo. Que outra coisa senão seus fluidos poderiam domar animal tão bravio?

Sentadas as duas no batente da porta, a viúva a remendar meias, Gabriela a brincar com o gato, Dª. Arminda tratava de convencê-la.

 - Menina, o que você tem a fazer é não perder sessão. Ainda outro dia, o compadre Deodoro me perguntou por você. «Porque aquela irmã não voltou? Ela tem um espírito-guia de primeira. Estava por detrás dela na cadeira.»

Foi isso que ele disse: palavra por palavra. Uma coincidência, eu tinha pensado a mesma coisa. E olha que compadre Deodoro é entendido no assunto. Não parece, tão moço que é. Mas aquilo, minha filha é uma intimidade com os espíritos que só vendo. Manda e desmanda neles. Você pode vir a ser até médico vidente…


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