CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 133
- Tocaram fogo na edição do Diário. Gente
dos Bastos. Por causa desse palerma de engenheiro que chegou hoje…
Glória olhou para a avenida da praia:
-
O moço que está conversando com sua namorada?
-
Minha namorada? Engano, simples conhecimento. Em Ilhéus só tem uma mulher que
me tira o sono…
-
E quem é, se pode saber?
-
Posso dizer?
-
Não se acanhe…
Na porta da Igreja, as solteironas
arregalavam os olhos; na avenida, Malvina nem se dera conta.
Gabriela na berlinda
Era um gato vadio do morro, quase
selvagem. O pelo sujo de barro com tufos arrancados, a orelha despedaçada,
corredor de gatas da vizinhança, lutador sem rival, visagem de aventureiro.
Roubava em todas as cozinhas da ladeira, odiado pelas donas de casa e
empregadas, ágil e desconfiado, jamais tinham conseguido pôr-lhe a mão.
Como fizera Gabriela para conqui stá-lo, obter que ele a acompanhasse miando,
viesse deitar-se no regaço da sua saia? Talvez porque não o enxotasse com
gritos e vassouras quando ele aparecia, audaz e prudente, em busca das sobras
da cozinha.
Atirava-lhe pedaços de pelanca, rabos de
peixe, tripas de galinha. Ele foi-se habituando, agora passava a maior parte do
dia no qui ntal, dormindo à sombra
das goiabeiras. Já não parecia tão magro e sujo, se bem conservasse a liberdade
das suas noites, correndo morro e telhados, devasso e prolífero.
Quando, de volta do bar, sentava-se
Gabriela para o almoço, vinha ele roçar-se em suas pernas, a ronronar.
Mastigava enfarado os bocados que ela lhe dava, miando agradecido quando
Gabriela lhe estendia a mão e lhe acariciava a cabeça ou a barriga.
Para Dª. Arminda aqui lo
era um verdadeiro milagre. Nunca pensara amansar-se animal tão arisco, fazê-lo
vir comer na mão, deixar-se tomar ao colo, adormecer nos braços de alguém.
Gabriela apertava o gato contra os seios, os olhos semicerrados, rascando-a
levemente com as unhas.
Para Dª. Arminda só havia uma
explicação. Gabriela era médio, de poderosos eflúvios, não desenvolvida nem
mesmo descoberta, diamante bruto a lapidar nas “sessões” para que fosse
perfeito aparelho às comunicações do além-túmulo. Que outra coisa senão seus
fluidos poderiam domar animal tão bravio?
Sentadas as duas no batente da porta, a
viúva a remendar meias, Gabriela a brincar com o gato, Dª. Arminda tratava de
convencê-la.
-
Menina, o que você tem a fazer é não perder sessão. Ainda outro dia, o compadre
Deodoro me perguntou por você. «Porque aquela irmã não voltou? Ela tem um
espírito-guia de primeira. Estava por detrás dela na cadeira.»
Foi isso que ele disse: palavra por
palavra. Uma coincidência, eu tinha pensado a mesma coisa. E olha que compadre
Deodoro é entendido no assunto. Não parece, tão moço que é. Mas aqui lo, minha filha é uma intimidade com os espíritos
que só vendo. Manda e desmanda neles. Você pode vir a ser até médico vidente…
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