À ENTREVISTA Nº 53 SOBRE O
TEMA:
“ABORTO? (4)
Quando começa a vida humana a ter "alma"
Se a pergunta
à ciência é quando começa a ser humana a vida, a questão "religiosa"
é quando Deus "infunde a alma" no corpo de um ser humano. Esta pergunta tem respostas diferentes
em diferentes religiões e também teve respostas variadas ao longo da história
da teologia cristã.
A primeira é
responder à pergunta o que é a "alma", como defini-la. Para a teóloga brasileira católica Ivone Gebara, “a alma é a metáfora que tenta
expressar o que há de mais profundo em nós. A
metáfora que tenta revelar os nossos desejos mais bonitos, nossas esperanças
pessoais. A alma é a forma
poética de falar sobre nossos sonhos, nossas utopias, nossas aspirações, nossa
privacidade.”
Nós também
podemos responder que a "alma" é o que nos torna humanos. Podemos dizer também que a
"alma" reside no cérebro. Nunca
haverá como provar o momento exacto em que o homem "recebe a alma"… porque
não existe “esse momento”.
Em várias
religiões, e até mesmo no cristianismo, houve muitas opiniões diferentes e muitos
debates que ainda estão em aberto havendo, assim, muitos pontos de vista possíveis,
cristãos e religiosos, ao aborto.
Dentro da
cultura ocidental cristã pensou-se por muito tempo que a alma entrava no corpo
humano aos 40 dias de gestação. Pela importância simbólica que o número 40 tem na
Bíblia mas os teólogos mais
misóginos apontaram que, sendo mulheres, a alma não entraria até aos 80 dias.
Eram cálculos para além de ideológicos,
completamente imprecisos, porque, como o sémen masculino era observável, o
papel das mulheres na procriação foi considerado totalmente "passivo",
um receptor do esperma masculino. A
existência do ovo só foi cientificamente comprovado em 1827.
Agostinho de
Hipona (século IV) e Tomás de Aqui no
(século XIII), os dois teólogos mais influentes da história da teologia
católica, falaram sem conhecimento científico, especulando. Agostinho disse: “De acordo com a lei cristã, o
aborto não se considera crime no início, porque ainda não se pode dizer que tem
uma alma viva num corpo que carece de sensação”. Thomas acreditava que a alma não era
recebida no início, mas mais tarde. E
foi ele que fixou o "infusão da alma" aos 40 dias, se fosse um menino
e aos 80 se fosse uma menina. Para
Tomás de Aqui no, a mulher era um
"homem falido".
Quando no
século XVII se começaram a usar microscópios, os teólogos, sempre misóginos,
"provaram" que a alma estava no esperma. Os movimentos dos espermatozóides fazia-os
lembrar pessoas pequenas e consideravam
que esses “homenzitos” com alma se alimentavam do sangue menstrual da mãe. Depois, pensaram de alma só entrava no
feto quando este já tinha forma humana ou quando a mãe sentia os seus
movimentos. Eles também achavam
que Deus infundia a alma no momento exacto do nascimento.
Os avanços da
ciência levaram a que muitos teólogos cristãos à ideia de que não há "alma"
enquanto o bebé não tiver formado o córtex cinzento de seu cérebro e não tiver a
capacidade de ser independente, viável fora do útero sua mãe. Há teólogos que não se propõem a falar
de "alma" até que não haja uma evidência biológica da "vida
cerebral", como nós actualmente entendemos a morte como "morte
cerebral", que ocorre quando o cérebro pára de funcionar, apesar de
permanecer outros órgãos em funcionamento.
Somente há
cerca de século e meio, a partir da proclamação do dogma da imaculada
concepção de Maria, o Vaticano tem vindo a impor na Igreja Católica a ideia de
que a alma existe desde o momento da fecundação ou fusão ovo/espermatozóide, a
que se chama de "concepção", um termo que não é usado na ciência nem na ginecologia. Esta ideia foi adoptada
também por várias igrejas evangélicas. Em
igrejas protestantes históricas – que têm como princípio fundamental a
liberdade de consciência sobre a interpretação dogmática - são muito mais
flexíveis as posições sobre o aborto.
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