terça-feira, julho 24, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 157

Altino aparecera em Ilhéus, viera a sua casa reclamar, fazia disso uns doze anos. Queria a remoção do cabo, a volta do seu protegido ao cargo. Ramiro concordara. Aquela troca de autoridades fora feita sem que o tivessem consultado, sem sua aprovação quando, na Baía, funcionava no Senado.

 - Vou mandar chamar o cabo – prometera.

 - Não precisa. Voltou no mesmo trem em que foi, parece que teve medo de ficar. Não sei bem porquê, não tou muito informado. Ouvi dizer que andaram fazendo umas graças com ele, rapaziadas. Penso que não há de querer voltar. É preciso desnomear, botar meu compadre de novo. Autoridade sem força legal não vale nada…

E assim fora feito. Ramiro recorda a conversa difícil. Altino ameaçara romper, apoiar a oposição. Que queria ele agora?

 - Hoje tou vindo de novo. Pode ser até pra meter onde não me chamaram. Ninguém me encomendou sermão. Mas fico na roça pensando nas coisas que tão acontecendo em Ilhéus. Mesmo que a gente não se meta, as coisas se metem com a gente. Porque, afinal, quem termina pagando as despesas da política é mesmo os fazendeiros, os que vivem na roça colhendo cacau. Dei de ficar preocupado…

 - O que é que o senhor pensa da situação?

 - Penso que é ruim. Vosmicê sempre foi respeitado, faz muitos anos que é o chefe político e disso é merecedor. Quem pode negar? Não hei-de ser eu, Deus me livre.

 - Agora estão negando. E nem que fosse gente daqui. Um forasteiro, veio se meter em ilhéus ninguém sabe porquê. Os irmãos que são homens direitos, botaram para fora da firma deles, não querem nem ver a cara do arrenegado. Veio dividir o que estava unido, veio separar o que estava junto.

Que o Capitão me combata, tá certo, combati o pai dele, derrubei do governo. Ele tem sua razão, por isso nunca deixei de me dar com ele, de lhe ter consideração. Mas esse senhor Mundinho devia se contentar com o dinheiro que ganha. Porque se intromete?

 - Altino acendia o cigarro de palha, espiava as lâmpadas do nicho dos santos:

 - Iluminação de primeira. Lá em casa tem uns santos, devoção da patroa. Gasta vela que é um horror. Vou botar umas luzes iguais a essas. Ihéus é uma terra de forasteiro, seu coronel. A gente mesmo o que é? Nenhum nasceu aqui. A gente daqui o que é que vale? Tirante o Doutor, homem ilustrado, os outros são uns restos, só serve pró lixo.

Por assim dizer, a gente é os primeiros grapiúnas. Os filhos da gente é que são ilheenses. Quando a gente chegou nesta mata medonha, eles não podia também dizer que nós não passava de forasteiros?

 - Não falo para lhe ofender. Sei que o senhor vendeu seu cacau a ele. Não sabia que eram amigos, por isso falei. Mas também não retiro. O que eu disse está dito. Não se compare com ele, coronel, não me compare com ele. A gente veio quando isto aqui ainda não era nada. Foi diferente. Quantas vezes a gente arriscou a vida, escapou de morrer? Pior do que isso, quantas vezes a gente não teve que mandar tirar a vida dos outros? Isso então não vale nada? Não se compare com ele, não me compare.

 - A voz do ancião, por um esforço de vontade, perdia o tremor, a vacilação, era aquela voz antiga de mando. – Que vida ele arriscou? Desembarcou com dinheiro, montou escritório, compra e exporta cacau. Que vida ele tirou?
(Será a Gabriela, nostálgica, com saudades do seu sertão? Não me parece. Gabriela é vida, para ela, a beleza de cada dia está no sol que nasce e o sertão foi fome, miséria e morte... também não daria para recordar.)

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