terça-feira, agosto 14, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 166


 - O que foi que eu te disse? Aconteça o que acontecer, não largue a clareira. Porque tu largou?

Tremia a mão da mãe no curativo, franzino era o tio, não nascera para brigas, tiroteios na noite. Curvou a cabeça.

 - Tu vai voltar. Tu e os cabras. Agora mesmo.

 - Eles vão atacar novamente.

 - Não quero outra coisa. Quando atacarem, vou com mais cabras, cerco por trás, acabo com eles. Se tu não tivesses fugido com o primeiro tiro, eu já tinha acabado.

O tio assentiu, Malvina assistira: Aloísio montara a cavalo, olhara a casa a varanda, o curral adormecido, os cachorros latindo. Um olhar derradeiro, de última vez.

Saíra com os cabras, os outros estavam no terreno esperando. Quando os tiros soaram, seu pai ordenou:

 - Vamos!

 - Regressou com a vitória, acabara com os Alves. No cavalo, de bruços, o corpo do tio. Era um homem bonito, cheio de alegria.

De quem herdara Malvina esse amor à vida, essa ânsia de viver, esse horror à obediência, a curvar a cabeça, a falar baixo na presença de Melk? Dele mesmo talvez.

Odiara desde cedo a casa, a cidade, as leis, os costumes. A vida humilhada da mãe a tremer ante Melk, a concordar, sem ser consultada para os negócios. Ele chegava, dizia ordenando:

 - Te prepara. Hoje nós vamos no cartório de Tonico assinar uma escritura.

Ela nem perguntava escritura de quê, se comprava ou vendia, nem procurava saber. Sua festa era a Igreja, Melk com todos os direitos, de tudo decidindo. A mãe cuidando da casa, era seu único direito. O pai nos cabarés, nas casa de mulheres, gastando com raparigas, jogando nos hotéis, nos bares, com os amigos bebendo. A mãe a fenecer em casa, a ouvir e a obedecer.

Macilenta e humilhada, com tudo conforme, perdera a vontade, nem na filha mandava. Malvina jurara, apenas mocinha, que com ela não seria assim. Não se sujeitaria. Melk fazia-lhe vontades, por vezes ficava a estudá-la, cismando.

Reconhecia-se nela, em certos detalhes, no desejo de ser. Mas a exigia obediente. Quando ela lhe dissera querer estudar ginásio e depois Faculdade, ele decretara:

 - Não quero filha doutora. Vai pró Colégio das freiras aprender a costurar, contar e ler, gastar seu piano. Não precisa de mais. Mulher que se meta a doutora é mulher descarada, que quer se perder.

Dera-se conta da vida das senhoras casadas, igual à da mãe. Sujeitas ao dono. Pior do que freira. Malvina jurara para si mesma que jamais, jamais, nunca jamais se deixaria prender.

Conversavam no pátio do colégio, juvenis e risonhas, filhas de pais ricos. Os irmãos na Baía, nos ginásios e Faculdades. Com direito a mesadas, a gastar dinheiro, a tudo fazer. Elas só tinham para si aquele breve tempo de adolescência.

(Há mulheres de rara coragem que não são acessíveis à maior parte dos homens... Malvina, filha do coronel Melk, era uma delas)

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