segunda-feira, agosto 20, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 171


Sem nenhum efeito sobre Malvina, ela nem se chegara a dar conta, tão embevecida nas palavras de Rómulo… Mas de intensa repercussão em meio à sociedade.

Gesto temerário e indecoroso, só não se fizera o centro de todos os comentários, devido a factos como o próprio namora de Malvina e Rómulo, o incêndio dos exemplares de Ilhéus, a surra no empregado da Intendência.

Felipe dera-lhe os parabéns pelo acto corajoso. Assim se iniciara a sua amizade com o remendão. Josué levava os folhetos para o quarto, em cima do cinema Vitória. Desprezou Malvina, conservando-lhe, no entanto, amor eterno e imortal, era uma indigna.

Exaltou Glória, vítima da sociedade, de pureza conspurcada, certamente violentada à força, expulsa do convívio social. Era uma santa. Tudo isso escrevia - sem os nomes, é claro – numa prosa veemente a encher cadernos. E como nada disso era representação, Josué sofria realmente, imaginou levar Ilhéus aos supremos escândalos.

Gritar nas ruas seu interesse por Glória, o desejo que ela lhe inspirava – o amor ainda era de Malvina – o respeito lhe merecia. Conversar em sua janela, sair de braço dado na rua, levá-la a habitar o quartinho modesto onde escrevia e repousava. Viver com ela uma vida de réprobos, rompido com a sociedade, expulso dos lares. E atirar esse horror no rosto de Malvina, clamando: «Vês a que me reduzi? És tu a culpada!»

Tudo isso disse a Nacib, bebendo no bar. O árabe arregalou os olhos, acreditava piamente. Ele mesmo não estava a pensar mandar tudo para o inferno e casar-se com Gabriela? Não aconselhou nem desaconselhou, apenas previu:

 - Vai ser uma revolução.

Era o que Josué desejava. Glória, porém retirou-se sorrindo da janela quando pela segunda vez ele para ali se dirigiu. Mandou-lhe depois um bilhete, de péssima letra e pior ortografia, por uma empregada. Molhado de perfume, dizia no fim: «Disculpe os borrões.» Realmente eram muitos, faziam a leitura difícil. Da janela ele não devia aproximar-se, o coronel acabaria sabendo, era perigoso.

Ainda mais naqueles dias, pois estava para chegar e se hospedava com ela. Logo depois que o velho partisse, ela lhe faria saber como poderiam se encontrar.

Novo golpe em Josué. Juntou então num mesmo desprezo moças da sociedade e mulheres do povo. Sua sorte foi Glória não ler o Diário de Ilhéus. Por ali escarrou sobre a prudência de Glória. «Escarro sobre as mulheres ricas e pobres, nobres e plebeias, virtuosas e fáceis. Só as move o egoísmo, o vil interesse. »

Durante certo tempo, ocupado a espiar o namoro de Malvina, dedicado a sofrer, a escrever, a xingar, a viver o papel tão romântico do amor desprezado, não voltou sequer a olhar a janela solitária. Cercava Gabriela, escrevia-lhe versos num provisório retorno à poesia rimada, propunha-lhe o quartinho pobre de conforto mas rico de arte, Gabriela sorria, gostava de ouvir.

Mas na tarde em que Melk espancara Malvina, Josué vira o rosto triste de Glória, triste pela moça surrada, triste por Josué abandonado, triste por ela mesmo em sua solidão renovada. Escreveu-lhe um segundo bilhete, passou junto à janela e ali o deixou.
(Click na imagem. Quem terá posto ali aquela rede?)

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