CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 172
Algumas noites depois entrava ele,
quando o silêncio envolvia a praça e os últimos noctívagos haviam-se recolhido,
pela pesada porta entreaberta. Uma boca esmagou sua boca, uns braços cercaram
seus ombros magros, arrastaram-no para dentro.
Esqueceu Malvina, seu amor eterno,
imortal. Quando a aurora chegou e com ela a hora de partir, antes que os
madrugadores começassem a dirigir-se para a banca de peixe, quando ela lhe
estendeu os lábios ávidos para os últimos beijos da noite de fogo e de mel, ele
lhe disse de seus planos: com ela de braço dado na rua, afrontando a sociedade,
morando os dois no quartinho sobre o cinema Vitória, numa pobreza de ascetas,
mas milionários de amor… Casa como aquela, luxo e criadas, perfumes e jóias,
não lhe podia oferecer, não era fazendeiro de cacau. Modesto professor de
parcos vencimentos.
Mas amor… Glória nem o deixara terminar
a romântica proposta:
-
Não, meu filho, não. Assim não pode ser. Ela queria as duas coisas: o amor e o
conforto, Josué e Coriolano. Sabia de um saber vivido o significado da miséria,
o gosto amargo da pobreza. Sabia também da inconstância dos homens. Queria
tê-lo mas escondido, que o coronel Coriolano não viesse a saber nem a
desconfiar.
Chegando pela noite alta, saindo de
madrugada. Fazendo que não a via na janela, sem cumprimentá-la sequer. Era até
melhor assim, tinha um sabor de pecado, um ar de mistério.
-
Se o velho souber, tou perdida. Todo o cuidado é pouco.
Apaixonada, sim, como duvidar após a
noite de égua e cadela, de brasa a queimar. Calculista, porém, e prudente,
arriscando o menos possível, desejando tudo guardar. Risco havia sempre, mas
deviam reduzi-lo o quanto pudessem.
-
Vou fazer meu filhinho esquecer a moça malvada.
-
Já me esqueci…
-
Volta de noite? Vou lhe esperar…
Não sonhava assim seu caso com Glória.
Mas que adiantava lhe dizer que não voltaria? Mesmo naquele instante, ainda
ferido pela sabedoria com que ela calculava os riscos do amor e como vencê-los,
a fria esperteza com que o fazia aceitar as sobras do coronel, Josué sentia
inevitável a volta. Estava amarrado àquele leito de espantos e fulgurações.
Outro amor começava.
Era hora de sair, esgueirar-se pela
porta, dormir uns minutos antes de enfrentar os meninos, às oito, na aula de
geografia. Ela destravou uma gaveta, e tirou uma nota de cem mil réis:
-
Queria lhe dar uma coisa, uma coisa que você usasse para se lembrar de mim todo
o dia. Não posso comprar, iam desconfiar. Compre por mim…
Quis recusar num gesto altivo. Ela
mordeu-lhe a orelha:
-
Compre uns sapatos, quando andar você pensa que está pisando em cima de mim.
Não diga não, não estou pedindo – Tinha visto a sola furada do sapato preto.
-
Não custa mais de trinta mil réis…
(Click no casal de amantes: o professor Josué e Glória. Ela, a "amásia" do coronel Coriolano, sabida com as lições que a fome lhe ensinou. Ele, sentimentalmente frustrado, procura com ela vingar-se escandalizando a sociedade de Ilhéus. Ela sorrindo condescendente para as solteironas, ele, desabafando nos braços de Nacib)
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