GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 176
O engenheiro passara a
símbolo de devassidão, de descalabro moral. Talvez isso se devesse sobretudo ao
facto de ele ter fugido, acovardado, a tremer de medo no quarto do hotel,
embarcando às escondidas sem se despedir sequer dos amigos.
Houvesse ele reagido,
lutado e encontraria, certamente quem o apoiasse. A antipatia a cercá-lo não
atingira Malvina. É claro que cochichavam sobre o namoro, os beijos no cinema e
no portão, havia até quem apostasse sobre a sua virgindade.
Mas, talvez porque se
sabia ter a moça enfrentado de cabeça erguida o pai em fúria, a gritar-lhe
enquanto ele baixava o rebenque, sem dobrar o cangote, a cidade simpatizou com
ela.
Quando, umas duas semanas
depois, Melk a levou para a Baía para interná-la no Colégio das Mercês, várias
pessoas acompanharam-na ao porto, mesmo algumas colegas do Colégio das Freiras.
João Fulgêncio trouxera-lhe um saco de bombons, apertara-lhe a mão e lhe
dissera:
- Coragem!
Malvina sorrira,
quebrou-se seu olhar glacial e altivo, sua pose de estátua. Jamais estivera tão
bela. Josué não viera ao porto, mas confidenciara a Nacib, junto ao balcão do
bar:
- Eu a perdoei – Andava saltitante e
conversador, se bem de faces ainda mais cavadas, com olheiras negras, enormes.
Nhô-Galo, presente, olhava
a janela risonha de Glória:
- Você, professor anda escondendo leite.
Ninguém lhe vê no cabaré, eu conheço tudo o que é mulher em Ilhéus e sei com
quem cada uma está de xodó. Nenhuma com você… Onde vossa senhoria está arranjando
essas olheiras?
- No estudo e no trabalho…
- Estudando anatomia… Trabalho desse também
quero… – Seus olhos indiscretos iam de Josué para a janela de Glória.
Nacib também andava
desconfiado. Josué aparentava uma indiferença excessiva em relação à mulata e
deixara completamente de pilheriar com Gabriela. Ali havia coisa…
- Esse engenheiro prejudicou um bocado
Mundinho Falcão…
- Nada disso tem a menor importância. Mundinho
vai ganhar na certa. Sou capaz de apostar.
- Não é tão certo assim. Mas, mesmo que ganhe,
o governo não reconhece, vai ver…
A adesão do coronel Altino
à causa de Mundinho, seu rompimento com os Bastos, arrastara vários outros.
Durante uns dias as notícias sucederam-se: o coronel Octaviano, de Pirangi, o
coronel Pedro Ferreira, de Mutuns, o coronel Abdias de Sousa, de Água Preta.
Tinha-se a impressão de que se o prestígio dos Bastos não ruíra completamente,
pelo menos sofrera profundo abalo.
O aniversário do coronel
Ramiro, ocorrido semanas após o acidente com Rómulo, veio provar o exagero
dessas conclusões. Nunca fora festejado com tanto ruído. Foguetório pela manhã,
acordando a cidade, salvas e rojões em frente à sua casa e à Intendência. Missa
cantada pelo Bispo, a Confraria de São Jorge em peso, a Igreja cheia, sermão do
padre Cecílio celebrando, com sua voz ardente e efeminada, as virtudes do
coronel.
(Click na imagem: Não seria melhor estar cá em baixo, deitada na areia?... mas as mulheres são assim, gostam de se evidenciar. Que injusto que sou, ela apenas está a cumprir ordens do fotógrafo... só assim ele poderia captar os contrastes do azul do vestido no branco da nuvem e, principalmente, do branco desta naquele azul tremendo do céu.)
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