sábado, agosto 25, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 176

O engenheiro passara a símbolo de devassidão, de descalabro moral. Talvez isso se devesse sobretudo ao facto de ele ter fugido, acovardado, a tremer de medo no quarto do hotel, embarcando às escondidas sem se despedir sequer dos amigos.

Houvesse ele reagido, lutado e encontraria, certamente quem o apoiasse. A antipatia a cercá-lo não atingira Malvina. É claro que cochichavam sobre o namoro, os beijos no cinema e no portão, havia até quem apostasse sobre a sua virgindade.

Mas, talvez porque se sabia ter a moça enfrentado de cabeça erguida o pai em fúria, a gritar-lhe enquanto ele baixava o rebenque, sem dobrar o cangote, a cidade simpatizou com ela.

Quando, umas duas semanas depois, Melk a levou para a Baía para interná-la no Colégio das Mercês, várias pessoas acompanharam-na ao porto, mesmo algumas colegas do Colégio das Freiras. João Fulgêncio trouxera-lhe um saco de bombons, apertara-lhe a mão e lhe dissera:

 - Coragem!

Malvina sorrira, quebrou-se seu olhar glacial e altivo, sua pose de estátua. Jamais estivera tão bela. Josué não viera ao porto, mas confidenciara a Nacib, junto ao balcão do bar:

 - Eu a perdoei – Andava saltitante e conversador, se bem de faces ainda mais cavadas, com olheiras negras, enormes.

Nhô-Galo, presente, olhava a janela risonha de Glória:

 - Você, professor anda escondendo leite. Ninguém lhe vê no cabaré, eu conheço tudo o que é mulher em Ilhéus e sei com quem cada uma está de xodó. Nenhuma com você… Onde vossa senhoria está arranjando essas olheiras?

 - No estudo e no trabalho…

 - Estudando anatomia… Trabalho desse também quero… – Seus olhos indiscretos iam de Josué para a janela de Glória.

Nacib também andava desconfiado. Josué aparentava uma indiferença excessiva em relação à mulata e deixara completamente de pilheriar com Gabriela. Ali havia coisa…

 - Esse engenheiro prejudicou um bocado Mundinho Falcão…

 - Nada disso tem a menor importância. Mundinho vai ganhar na certa. Sou capaz de apostar.

 - Não é tão certo assim. Mas, mesmo que ganhe, o governo não reconhece, vai ver…

A adesão do coronel Altino à causa de Mundinho, seu rompimento com os Bastos, arrastara vários outros. Durante uns dias as notícias sucederam-se: o coronel Octaviano, de Pirangi, o coronel Pedro Ferreira, de Mutuns, o coronel Abdias de Sousa, de Água Preta. Tinha-se a impressão de que se o prestígio dos Bastos não ruíra completamente, pelo menos sofrera profundo abalo.

O aniversário do coronel Ramiro, ocorrido semanas após o acidente com Rómulo, veio provar o exagero dessas conclusões. Nunca fora festejado com tanto ruído. Foguetório pela manhã, acordando a cidade, salvas e rojões em frente à sua casa e à Intendência. Missa cantada pelo Bispo, a Confraria de São Jorge em peso, a Igreja cheia, sermão do padre Cecílio celebrando, com sua voz ardente e efeminada, as virtudes do coronel.
(Click na imagem: Não seria melhor estar cá em baixo, deitada na areia?... mas as mulheres são assim, gostam de se evidenciar. Que injusto que sou, ela apenas está a cumprir ordens do fotógrafo... só assim ele poderia captar os contrastes do azul do vestido no branco da nuvem e, principalmente, do branco desta naquele azul tremendo do céu.)

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