É DOMINGO
(Da minha cidade de Santarém)
O meu país, na parte final desta semana,
foi assolado por um pequeno vendaval. Eu já vos tinha dito que ele, o país, é
filho de uma mentira e sobreviveu ao longo de mais de oito séculos, por sorte,
com recurso a mentiras e expedientes mas também com sobressaltos e agora
tivemos mais um sobressalto.
Sim, um sobressalto, porque o nosso 1º
Ministro veio dizer aos meus patrícios que tinha de adoptar medidas de austeridade, ou melhor,
mais medidas de austeridade a somar a outras já anunciadas e postas em prática para poder corresponder aos compromissos assumidos com os credores por causa de dívidas de valor desmesurado que
alguém contraiu em nome deles.
É uma história que vai acontecendo
também um pouco por outros países da Europa, como a Grécia, a Espanha e não só,
e que depois deixa ficar mal o povo quando o acusam de ter vivido acima
das suas possibilidades. Já para não falar de outras injustas acusações que
os amigos “loirinhos”, lá do norte, costumam fazer… eu até quero
pensar que seja mais por inveja das praias, do sol e do céu
azulinho que temos…
Reconheço, que a nível individual,
alguns deles, da classe média, nas duas ultimas décadas, tenham exagerado
naqueles desafios lançados pela Banca do “Vá Agora e Pague Depois” mas, com
todos aqueles exemplos de despesismo por parte de Chefes de Governo e Presidentes
de Câmara, difícil era resistir.
Mas o pior, o que caiu mesmo mal aos
meus patrícios, foi aquela medida de fazer subir a taxa para a Segurança Social
paga pelos trabalhadores das empresas exactamente na medida em que fazia baixar
a mesma taxa que compete pagar aos patrões.
Isto, à primeira vista, parece esqui sito porque faria mais sentido que fossem os
patrões a dar dinheiro aos trabalhadores do que o contrário. Mas, foi
precisamente isso que aconteceu: uma transferência de dinheiro dos
trabalhadores para os patrões que, de surpreendidos, não agradeceram e até nem
apreciaram… a avaliar pelo que disseram:
…. Que os trabalhadores ficavam ainda
mais pobres… e por isso iam comprar menos… o que não era nada bom para eles que
iriam vender também menos… Enfim, aquela conversa de patrão que nunca está satisfeito.
O ineditismo da medida levou o 1º
Ministro a tentar justificar-se porque, como era de esperar, os jornalistas que
tinham a seu cargo a entrevista não deixaram de o questionar e então ele disse:
- «É uma questão de fé»
-
De fé? - Senhor 1º Ministro?
-
«Sim, de fé, porque eu acredito que com esse dinheiro a mais nas empresas os
patrões vão empregar mais trabalhadores, fazer mais investimento, baixar custos
de produção, baixar os preços dos seus produtos e, por conseguinte, vender
mais, exportar mais… isto no médio e longo prazo.»
-
«Acredito nisto, é uma fé que tenho».
Os jornalistas não insistiram mais
porque eles sabem que em questões de fé não se devem meter, haja em vista o que
está acontecer agora em certos países do Norte de África por causa da porcaria
daquele filme…
Mas os meus patrícios, que andam
deprimidos, desconfiados, descontentes e ainda não se entregaram completamente
a essas questões da fé, muito provavelmente virão agora desfilar para as ruas
dizendo “das boas” e gritando raios e coriscos.
Para quem não conheça bem a realidade do
meu país devo esclarecer que temos entre nós um partido político, o Partido
Comunista Português, que desempenha um papel importantíssimo: organiza e lidera
todas as manifestações de rua contra os governos e os ministros, especialmente
os da Educação e da Saúde.
Desde a Revolução do 25 de Abril, logo
que eles perderam influência e importância na liderança política do país, saltaram
para trás de grandes faixas de pano com palavras de ordem: “A Luta Continua, o Governo para a Rua”… “O Povo, Unido, Jamais Será Vencido” e com toda a disciplina
vinham conduzindo as populações descontentes Avenida da Liberdade abaixo, do
Marquês ao Terreiro do Paço.
Há figuras que se repetem. Durante anos
a sua presença nunca falhou, vimos-lhes os cabelos a embranquecer e percebemos
as rugas do rosto cada vez mais vincadas… que os anos não perdoam.
A população portuguesa, as Autoridades,
as Forças de Segurança podiam estar descansadas, confiar no seu Partido
Comunista, garante da ordem nas manifestações de rua na expressão do
justificado descontentamento das massas trabalhadoras… pelo menos tem sido até
aqui, mas parece-me que já não será mais.
As pessoas do meu país, hoje, manifestaram-se, em multidões e não desfilaram atrás de grandes faixas, lado a lado, com palavras
de ordem. Deambularam, silenciosas, com letreiros pendurados ao peito, muitos
feitos zombis, perdida a vontade de gritar a tristeza e o desânimo misturam-se
nos rostos tensos.
Os políticos atravessam-se nas suas
mentes, quando interrogados, saem das suas bocas em palavras que mais parecem
torrentes de ódio contido que ressalta a cada sílaba, em cada entoação de voz.
Comportam-se ordeira e pacificamente
porque estão conscientes da gravidade do momento que vivem, as energias
esgotam-se no seu sofrimento…
Que saudades das manifestações que mais pareciam uma festa, Avenida da Liberdade abaixo, os líderes do PCP e da Intersindical de braço dado, punho levantado: …«A luta continua, o governo para a rua» … «25 de Abril sempre» … «O povo, unido, jamais será vencido». Que saudades…
Que saudades das manifestações que mais pareciam uma festa, Avenida da Liberdade abaixo, os líderes do PCP e da Intersindical de braço dado, punho levantado: …«A luta continua, o governo para a rua» … «25 de Abril sempre» … «O povo, unido, jamais será vencido». Que saudades…
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