domingo, setembro 16, 2012


HOJE
É DOMINGO
(Da minha cidade de Santarém)



O meu país, na parte final desta semana, foi assolado por um pequeno vendaval. Eu já vos tinha dito que ele, o país, é filho de uma mentira e sobreviveu ao longo de mais de oito séculos, por sorte, com recurso a mentiras e expedientes mas também com sobressaltos e agora tivemos mais um sobressalto.

Sim, um sobressalto, porque o nosso 1º Ministro veio dizer aos meus patrícios que tinha de adoptar medidas de austeridade, ou melhor, mais medidas de austeridade a somar a outras já anunciadas e postas em prática para poder corresponder aos compromissos assumidos com os credores por causa de dívidas de valor desmesurado que alguém contraiu em nome deles.

É uma história que vai acontecendo também um pouco por outros países da Europa, como a Grécia, a Espanha e não só, e que depois deixa ficar mal o povo quando o acusam de ter vivido acima das suas possibilidades. Já para não falar de outras injustas acusações que os amigos “loirinhos”, lá do norte, costumam fazer… eu até quero pensar que seja mais por inveja das praias, do sol e do céu azulinho que temos…

Reconheço, que a nível individual, alguns deles, da classe média, nas duas ultimas décadas, tenham exagerado naqueles desafios lançados pela Banca do “Vá Agora e Pague Depois” mas, com todos aqueles exemplos de despesismo por parte de Chefes de Governo e Presidentes de Câmara, difícil era resistir.

Mas o pior, o que caiu mesmo mal aos meus patrícios, foi aquela medida de fazer subir a taxa para a Segurança Social paga pelos trabalhadores das empresas exactamente na medida em que fazia baixar a mesma taxa que compete pagar aos patrões.

 Isto, à primeira vista, parece esquisito porque faria mais sentido que fossem os patrões a dar dinheiro aos trabalhadores do que o contrário. Mas, foi precisamente isso que aconteceu: uma transferência de dinheiro dos trabalhadores para os patrões que, de surpreendidos, não agradeceram e até nem apreciaram… a avaliar pelo que disseram:

…. Que os trabalhadores ficavam ainda mais pobres… e por isso iam comprar menos… o que não era nada bom para eles que iriam vender também menos… Enfim, aquela conversa de patrão que nunca está satisfeito.

O ineditismo da medida levou o 1º Ministro a tentar justificar-se porque, como era de esperar, os jornalistas que tinham a seu cargo a entrevista não deixaram de o questionar e então ele disse:

- «É uma questão de fé»

 - De fé? - Senhor 1º Ministro?

 - «Sim, de fé, porque eu acredito que com esse dinheiro a mais nas empresas os patrões vão empregar mais trabalhadores, fazer mais investimento, baixar custos de produção, baixar os preços dos seus produtos e, por conseguinte, vender mais, exportar mais… isto no médio e longo prazo.»

 - «Acredito nisto, é uma fé que tenho».

Os jornalistas não insistiram mais porque eles sabem que em questões de fé não se devem meter, haja em vista o que está acontecer agora em certos países do Norte de África por causa da porcaria daquele filme…

Mas os meus patrícios, que andam deprimidos, desconfiados, descontentes e ainda não se entregaram completamente a essas questões da fé, muito provavelmente virão agora desfilar para as ruas dizendo “das boas” e gritando raios e coriscos.

Para quem não conheça bem a realidade do meu país devo esclarecer que temos entre nós um partido político, o Partido Comunista Português, que desempenha um papel importantíssimo: organiza e lidera todas as manifestações de rua contra os governos e os ministros, especialmente os da Educação e da Saúde.

Desde a Revolução do 25 de Abril, logo que eles perderam influência e importância na liderança política do país, saltaram para trás de grandes faixas de pano com palavras de ordem: “A Luta Continua, o Governo para a Rua”… “O Povo, Unido, Jamais Será Vencido” e com toda a disciplina vinham conduzindo as populações descontentes Avenida da Liberdade abaixo, do Marquês ao Terreiro do Paço.

Há figuras que se repetem. Durante anos a sua presença nunca falhou, vimos-lhes os cabelos a embranquecer e percebemos as rugas do rosto cada vez mais vincadas… que os anos não perdoam.

A população portuguesa, as Autoridades, as Forças de Segurança podiam estar descansadas, confiar no seu Partido Comunista, garante da ordem nas manifestações de rua na expressão do justificado descontentamento das massas trabalhadoras… pelo menos tem sido até aqui, mas parece-me que já não será mais.

As pessoas do meu país, hoje, manifestaram-se, em multidões e não desfilaram atrás de grandes faixas, lado a lado, com palavras de ordem. Deambularam, silenciosas, com letreiros pendurados ao peito, muitos feitos zombis, perdida a vontade de gritar a tristeza e o desânimo misturam-se nos rostos tensos.

Os políticos atravessam-se nas suas mentes, quando interrogados, saem das suas bocas em palavras que mais parecem torrentes de ódio contido que ressalta a cada sílaba, em cada entoação de voz.

Comportam-se ordeira e pacificamente porque estão conscientes da gravidade do momento que vivem, as energias esgotam-se no seu sofrimento…

Que saudades das manifestações que mais pareciam uma festa, Avenida da Liberdade abaixo, os líderes do PCP e da Intersindical de braço dado, punho levantado: …«A luta continua, o governo para a rua» … «25 de Abril sempre» … «O povo, unido, jamais será vencido». Que saudades…
  

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