A delicadeza de uma imagem feminina |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 215
A rampa fazia-se mais
acentuada. Fagundes andava de gatinhas. Tinha medo agora. Não podia escapar. E
ali era difícil atirar, matar dois ou três como desejava, para que também o
matassem sem sofrimento, com umas quantas balas no corpo. Morte para um homem
como ele. Uma voz avisou por entre os golpes de facão:
- Vai te preparando, assassino, vamos te picar
a punhal!
Queria morrer de descarga de
bala, de uma vez, sem sentir. Se o pegassem vivo iriam judiar… Estremecia,
arrastando-se, dificilmente pelo chão. De morrer não tinha medo. Um homem nasce
para morrer quando seu dia chega. Mas se o pegassem vivo, iriam judiar, matá-lo
aos bocadinhos querendo o nome do mandante.
Uma vez no sertão, ele e uns
outros haviam matado assim um trabalhador da roça querendo saber onde estava
escondido um cujo qualquer. Picado de faca, de punhal afiado. Cortaram-lhe as
orelhas, arrancaram os olhos ao desgraçado. Assim não queria morrer. Tudo o que
desejava agora era uma clareira onde os pudesse esperar de arma na mão. Para
matar e morrer. Para não ser judiado como aquele infeliz no sertão.
E encontrou-se ante o
precipício. Só não caiu porque havia uma árvore bem na margem, nela se segurou.
Olhou para baixo, impossível enxergar. Ladeou para a esquerda, descobriu uma
rampa quase a pique, adiante. O mato fazia-se mais ralo, algumas árvores
cresciam. O bater de tacões distanciava-se. Os perseguidores entravam agora no
mato grosso, antes do precipício. Adiantou-se para a rampa, começou a descê-la
avançando para a frente num esforço de desespero. Não sentia os espinhos,
rasgando-lhe a pele, sentia, isso sim, a ponta dos punhais no peito, nos olhos,
nas orelhas.
A rampa terminou, a uns dois
metros do chão firme. Agarrou nuns galhos, deixou-se cair. Ouvia ainda o ruído
dos golpes de facão. Caiu sentado sobre o mato alto, sem quase fazer barulho.
Machucou-se no braço a segurar o revólver. Pôs-se de pé. Ante ele, o muro de um
qui ntal, baixo. Saltou. Um gato
assustou-se ao vê-lo, fugiu para o morro. Ele esperou, encostado à sombra do
muro.
Nos fundos da casa havia
luzes. Suspendeu o revólver, atravessou o qui ntal.
Viu uma cozinha iluminada. E Gabriela lavando uns pratos. Sorriu, não havia
outra igual, mais bonita do mundo.
De como a Srª Saad envolveu-se
em política, rompendo a tradicional neutralidade de seu marido, e dos atrevidos
e perigosos passos dessa senhora da alta-roda em sua noite militante.
O negro Fagundes riu, o
rosto inchado dos espinhos venenosos, a camisa suja de sangue, as calças rotas:
- Eles vai passar a noite caçando o negro. E o
negro aqui bem do seu, tirando prosa
com Gabriela.
Riu também Gabriela, serviu
mais cachaça:
- O que tem de fazer?
- Tem um moço de nome Loirinho. Tu conhece
ele?
- Loirinho? Já ouvi nomear. Faz tempo, no bar.
- Tu procura ele. Marca um lugar para mim
encontrar.
- Onde vou achar?
- Ele tava no Bate-Fundo, lugar bom para
dançar. Na Rua do Sapo. Não deve tá mais Marcou oito horas. Que horas é?
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