quinta-feira, outubro 11, 2012

A delicadeza de uma imagem feminina

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 215

A rampa fazia-se mais acentuada. Fagundes andava de gatinhas. Tinha medo agora. Não podia escapar. E ali era difícil atirar, matar dois ou três como desejava, para que também o matassem sem sofrimento, com umas quantas balas no corpo. Morte para um homem como ele. Uma voz avisou por entre os golpes de facão:

 - Vai te preparando, assassino, vamos te picar a punhal!

Queria morrer de descarga de bala, de uma vez, sem sentir. Se o pegassem vivo iriam judiar… Estremecia, arrastando-se, dificilmente pelo chão. De morrer não tinha medo. Um homem nasce para morrer quando seu dia chega. Mas se o pegassem vivo, iriam judiar, matá-lo aos bocadinhos querendo o nome do mandante.

Uma vez no sertão, ele e uns outros haviam matado assim um trabalhador da roça querendo saber onde estava escondido um cujo qualquer. Picado de faca, de punhal afiado. Cortaram-lhe as orelhas, arrancaram os olhos ao desgraçado. Assim não queria morrer. Tudo o que desejava agora era uma clareira onde os pudesse esperar de arma na mão. Para matar e morrer. Para não ser judiado como aquele infeliz no sertão.

E encontrou-se ante o precipício. Só não caiu porque havia uma árvore bem na margem, nela se segurou. Olhou para baixo, impossível enxergar. Ladeou para a esquerda, descobriu uma rampa quase a pique, adiante. O mato fazia-se mais ralo, algumas árvores cresciam. O bater de tacões distanciava-se. Os perseguidores entravam agora no mato grosso, antes do precipício. Adiantou-se para a rampa, começou a descê-la avançando para a frente num esforço de desespero. Não sentia os espinhos, rasgando-lhe a pele, sentia, isso sim, a ponta dos punhais no peito, nos olhos, nas orelhas.

A rampa terminou, a uns dois metros do chão firme. Agarrou nuns galhos, deixou-se cair. Ouvia ainda o ruído dos golpes de facão. Caiu sentado sobre o mato alto, sem quase fazer barulho. Machucou-se no braço a segurar o revólver. Pôs-se de pé. Ante ele, o muro de um quintal, baixo. Saltou. Um gato assustou-se ao vê-lo, fugiu para o morro. Ele esperou, encostado à sombra do muro.

Nos fundos da casa havia luzes. Suspendeu o revólver, atravessou o quintal. Viu uma cozinha iluminada. E Gabriela lavando uns pratos. Sorriu, não havia outra igual, mais bonita do mundo.

De como a Srª Saad envolveu-se em política, rompendo a tradicional neutralidade de seu marido, e dos atrevidos e perigosos passos dessa senhora da alta-roda em sua noite militante.

O negro Fagundes riu, o rosto inchado dos espinhos venenosos, a camisa suja de sangue, as calças rotas:

 - Eles vai passar a noite caçando o negro. E o negro aqui bem do seu, tirando prosa com Gabriela.

Riu também Gabriela, serviu mais cachaça:

 - O que tem de fazer?

 - Tem um moço de nome Loirinho. Tu conhece ele?

 - Loirinho? Já ouvi nomear. Faz tempo, no bar.

 - Tu procura ele. Marca um lugar para mim encontrar.

 - Onde vou achar?

 - Ele tava no Bate-Fundo, lugar bom para dançar. Na Rua do Sapo. Não deve tá mais Marcou oito horas. Que horas é?


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