Há em cada aldeia um archote: - O mestre escola
E uma boca que sopra para o apagar: - O pároco
(Victor Hugo)
A CASA DO INFERNO
Richard Dawkins entrevistou, perante as câmaras de
televisão, o pastor Keenan Roberts do Colorado que o pôs ao corrente da
existência de uma Casa do Inferno.
E o que é a Casa do Inferno?
É um lugar onde as crianças são levadas pelos pais ou
pelas respectivas escolas cristãs para serem aterrorizadas com imagens do que
lhes pode acontecer depois de morrerem.
Há actores que encenam quadros assustadores de certos
pecados como o aborto e a homossexualidade, perante o regozijo de um diabo
vestido de vermelho vivo.
Finalmente, a representação do próprio inferno ao qual
não falta o característico cheiro a enxofre a arder e os gritos agonizantes dos
que estão condenados por toda a eternidade.
No fim do ensaio em que o diabo esteve devidamente
diabólico, Dawkins entrevistou o pastor Roberts na presença do seu elenco que
referiu que a idade ideal de uma criança para uma visita à Casa do Inferno são
os 12 anos.
Mas, perguntou Dawkins, não o preocupa o facto de uma
criança de 12 anos ter pesadelos depois de ter visto uma representação destas?
Com honestidade, ele respondeu:
«O que me interessa é que eles compreendam que o
inferno é um lugar para onde, decididamente, não hão-de querer ir. Antes quero
transmitir-lhes essa mensagem aos 12 anos do que não transmitir e vê-los
enveredar por uma via de pecado, sem nunca encontrarem o Senhor Jesus Cristo.
E se vierem a ter pesadelos por causa desta
experiência, penso que terão alcançado e conseguido nas suas vidas um bem mais
importante do que uns simples pesadelos.»… (esta gente não é má, e simplesmente
diabólica...)
O versículo do Evangelho de São Marcos refere: «Se a
tua mãe é para ti ocasião de pecado, corta-a; mais vale entrares mutilado na
vida do que, tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo inextinguível,
onde o verme não morre e o fogo não se apaga» (9:43-4)
Independentemente de como imaginam que o inferno seja
de facto, todos estes entusiastas do fogo infernal, parecem partilhar daquele
júbilo que alguns sentem com o mal dos outros, a complacência daqueles que se
vêm entre os que serão salvos, ideia de resto, muito bem expressa por esse
expoente máximo da Teologia, São Tomás de Aquino, na sua Summa Theologica :
«Para que mais abundantemente possam desfrutar da sua
beatitude e da graça do Senhor, é permitido aos santos ver o castigo dos
condenados ao inferno» e Dawkins comenta: “ que homem simpático...” e eu
acrescento… “sádico”.
O medo do fogo do inferno pode ser muito real, mesmo
entre pessoas com um comportamento racional a outros níveis.
Após um seu documentário televisivo sobre religião,
Dawkins recebeu muitas cartas, entre as quais, a de uma mulher visivelmente
inteligente e sincera que dizia assim:
“Andei desde os 5 anos numa escola católica, onde as
freiras, de correia, régua ou de vara em punho me inculcaram a doutrina.
Durante a adolescência li Darwin, e o que ele escreveu
sobre a evolução fez imenso sentido para a parte lógica da minha mente. No
entanto, ao longo da vida, tenho-me debatido interiormente com um grande
conflito e com um intenso medo do fogo do inferno, que desperta em mim com
muita frequência.
Fiz psicoterapia, que me permitiu resolver alguns dos
meus problemas mais antigos mas não consigo ultrapassar este medo profundo».
Jill Mytton foi educada no medo do inferno, escapou ao
cristianismo já adulta e hoje aconselha e ajuda outros traumatizados, como ela,
na infância.
«Quando relembro a minha infância, vejo-a dominada
pelo medo. E era o medo de reprovação no presente mas também da condenação
eterna. Para uma criança, as imagens do fogo do inferno e de dentes a ranger
são, efectivamente, muito reais. Não têm nada de metafórico.».
Dawkins pediu-lhe, então, que explicasse o que de
facto lhe tinham dito sobre o inferno em criança e a resposta que ela deu foi
rica e comovente como o seu rosto durante a longa hesitação que precedeu a
resposta:
«É estranho, não é? Depois deste tempo todo ainda
consegue… afectar-me…quando…quando me é feita essa pergunta. O inferno é um
lugar assustador. É sermos totalmente rejeitados por Deus. É um julgar total.
Há fogo a sério, sofrimento a sério e dura para sempre, sem tréguas.»
Falou depois do grupo de apoio que agora orienta,
destinado a pessoas que procuram fugir de uma infância semelhante à sua e
insistiu na dificuldade que é, para muitos, sair:
«O processo de
saída é extremamente difícil. Ah, o que se deixa para trás é toda uma rede
social, todo um sistema no qual, praticamente, se foi educado, deixa-se para
trás um sistema de crenças que se interiorizou durante anos. Muitas vezes
deixa-se a família e amigos…deixa-se de existir para eles»
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