Morreu o Nunes.
Pelas contas de um outro colega meu, o
Fernando, presença assídua em todos os almoços mensais de Curso, na penúltima
quarta-feira de cada mês, já lá vão catorze daquele grupo de rapazes que no
início do Ano Lectivo de 1959/60 se encontaram pela primeira vez no Largo do
Príncipe Real, ao cimo do Bairro Alto, em Lisboa, e foram colegas durante três
anos no Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina.
A lei da vida, paulatinamente, vai
fazendo a sua ceifa. Os que restam, naturalmente, estão envelhecidos mas o
Nunes não estava bem, muito gordo e com dificuldades em respirar… Quando me
separei dele, no último almoço em que esteve presente, tive o pressentimento
que era a última vez que o via, por isso, já cá fora do restaurante, no momento
dos abraços e apertos de mão, fiquei parado no passeio acompanhando com um
olhar de despedida a sua figura avantajada que se afastava para sempre.
Depois disso, tivemos a informação de que
estava internado no Hospital e o resto foi o desfecho esperado.
Instintivamente, ponho o relógio do tempo a
andar para trás e lá está o Nunes: jovem, bem parecido, irradiando confiança,
no átrio da sala de aulas, falando alto, chamando a si as atenções, num grupo
de rapaziada do qual, quase metade, já partiu.
Partir, é uma maneira dizer, está na
nossa linguagem, faz parte da nossa cultura, pressupõe um destino, uma morada,
um local.
Se o Nunes partiu, para onde foi? Alguém
o sabe fora de uma qualquer crença religiosa? Que pensaria o Nunes sobre isto?
Teria tido medo?
Mark Twain dizia:
- «Não tenho medo da morte.
Estive morto durante milhões de milhões de anos antes de nascer e não senti o mais
pequeno incómodo por isso.»
O Nunes fez o seu caminho, viveu a sua
vida, teve essa fantástica experiência: conheceu, aprendeu e, acima de tudo,
jogou com as suas emoções e sentimentos na intrincada teia das relações humanas
e… chegou ao fim, sem dramas, ponto final. A sua vida prossegue nos seus
descendentes.
Disse Emily Dickinson, poetisa
americana: «Por não voltar jamais é que é tão doce a
vida»
O Nunes teve a sorte de morrer porque
viveu, coube-lhe essa rara oportunidade, veio do nada e de parte alguma e a ela
regressa.
O meu colega Fernando tem uma lista
mental secreta em que nos colocou a todos numa ordem cronológica para a data de
“partida”. Parece maqui avélico mas
para mim não tem nada de mal, tal como a morte também não tem. Ele não deseja a
morte a nenhum de nós, é bom de ver, apenas procura ler sinais e a partir deles
coloca-nos numa “bicha”. Ele é um rapaz divertido, tem sentido de humor… Não
foi difícil, por exemplo, perceber que o Nunes era o próximo dessa lista.
A propósito do falecimento do meu colega
Nunes vou transcrever, na íntegra, o epitáfio que o Prémio Nobel de 1973 pelos
seus estudos em Etiologia, Richard Dawkins, destinou para o seu funeral:
- «Vamos morrer e por isso
somos nós os bafejados pela sorte. A maior parte das pessoas nunca vai morrer
porque nunca vai chegar a nascer. As pessoas potenciais que poderiam ter estado
aqui no meu lugar, mas que na
verdade nunca verão a luz do dia, excedem em número os grãos de areia do
deserto do Sara. Seguramente que nesses fantasmas que nunca vão chegar a nascer
se incluem poetas maiores do que Keats e cientistas maiores do que Newton.
Sabemos isto porque o conjunto de pessoas potenciais permitidas pelo nosso ADN
é esmagadoramente superior ao conjunto de pessoas com existência efectiva. Não
obstante esta ínfima probabilidade, sou eu, somos nós que, na nossa
vulgaridade, aqui estamos.”
A Vida é doce porque não volta
mais…
<< Home