OS PIGMEUS
“Por detrás dos nossos
juízos morais há uma gramática moral universal, uma faculdade da mente que foi
evoluindo ao longo de milhões de anos de maneira a incluir um conjunto de
princípios que construísse um leque de sistemas” quem o diz é o biólogo Mar Hauser da Universidade de Harver.
No fundo, tratava-se de demonstrar que a moral com os valores que
hoje são defendidos universalmente não foram conqui sta
de uma qualquer religião nem a ausência desta dá lugar a comportamentos
imorais.
Mas a este propósito vale a pena contar um episódio passado no
seio de uma comunidade de pigmeus e que foi descrita por Luca Cavalli-Sforza,
(professor de genética em Standford e que durante 40 anos estudou a evolução do
Homem) no seu livro Quem Somos Nós.
A comunidade dos Pigmeus, os homens mais antigos do planeta,
caçadores e colectores, fazem parte das últimas sociedades primitivas ainda
existentes mas que, infelizmente, não têm futuro.
Estão reduzidos a pequenos grupos de indivíduos rodeados de
economias monetárias, rurais e industriais que por todo o lado destroem os seus
habitats e o seu estilo tradicional de vida.
De resto, todos os caçadores-recolectores actualmente existentes
ainda têm costumes comuns entre si, embora estejam a desaparecer ou por
extinção física ou por conversão a outros modos de vida.
Os pigmeus vivem sempre em pequenos grupos, não têm uma
organização hierárqui ca, geralmente
não têm chefes e a sua vida social baseia-se no respeito mútuo. Normalmente,
têm uma ética avançada que pode constituir uma surpresa em populações de um
escalão económico e um primitivismo tão baixo.
De facto, esse primitivismo não está no plano moral, simplesmente
têm uma concepção do mundo e da vida muito diferente da nossa.
Quando os holandeses, chegados à cidade do Cabo, começaram a
expandir-se para norte com as suas manadas, ocuparam o território dos indígenas
e, dessa forma, começaram os incidentes com os locais.
Para os caçadores-recolectores o sentido da propriedade é
diferente porque a propriedade individual é rara e não é muito importante.
Existem, no entanto, alguns direitos, como o do território de caça
e aquele que for apanhado a caçar num território que não seja o seu tem de
pagar uma multa que não é em dinheiro, visto que eles nem o conhecem, mas em
géneros.
As relações dos pigmeus com os seus vizinhos agricultores não é
isenta de problemas até porque eles não esquecem que os actuais terrenos
agrícolas eram antigamente floresta, seus terrenos de caça, que foram
convertidos através do abate das árvores, sem que lhes tivesse sido pedido
qualquer autorização ou dada qualquer compensação.
Quando necessitam, os agricultores recrutam os pigmeus para
trabalharem nas lavras pagando-lhes apenas com bananas e mandioca, ambas
paupérrimas em termos nutritivos, e estes percebem perfeitamente que são
explorados e considerados como animais e por isso, sem quebrarem relações com
eles por não lhes convir, vingam-se roubando comida quando podem e
pregando-lhes partidas.
Por exemplo, no regresso para os seus acampamentos têm dois
caminhos: um, que eles utilizam e é um pouco escondido, o outro, maior e mais
largo, destina-se aos agricultores que os vêm procurar e que eles utilizam como
casa de banho cobrindo depois com folhas os seus próprios excrementos…
Mas há a história, notável, de um pigmeu que roubava bananas de
noite no campo de um agricultor e, dada a persistência da ocorrência, este
montou uma emboscada ao ladrão e quando ouviu barulho disparou e feriu-o
mortalmente.
Antes de morrer, porém, o pigmeu fez questão de pedir desculpa ao
agricultor que tinha disparado sobre ele dizendo que a culpa era sua e que não
devia ter roubado as bananas.
Não consta, e este aspecto é frisado pelo Professor, que este
pigmeu estivesse sob a influência ou mantivesse qualquer contacto com
religiosos cristãos.
Os pigmeus são os mais hábeis e corajosos caçadores que se
conhecem, juntamente com os bosquímanes do deserto do Kalahari, e essa
extraordinária perícia só foi possível desenvolver a partir de um conhecimento
total, no caso dos pigmeus, da floresta e de todas as formas de vida que ali
proliferam adqui rido ao longo de
muitos milhares de anos de vivência no seu habitat.
Foram eles que caçaram os elefantes cujo marfim, nós portugueses,
carregámos para a Europa desde a nossa chegada a África nos séculos XV e XVI e
que eram transaccionados pelos agricultores que serviam de intermediários e que
já então os enganavam.
Os pigmeus caçam à sua maneira e não precisam de espingarda.
Como se sabe, são muito pequenos e parece quase ironia que sejam
os homens mais pequenos do mundo a matar os animais maiores.
Esperam pela carga dos elefantes fixando na terra uma grande lança
dirigida ao peito do animal e no último momento escapam; ou então, aproximam-se
contra o vento sem se denunciarem, metem-se debaixo deles e atingem-nos nos
flancos, na barriga ou cortam-lhes os tendões das pernas e isto ao fim de 4 ou
5 dias de caminhada na floresta com temperaturas entre os 35 e os 40 graus
centígrados e uma humidade de 100%.
Podemos então concluir, perante estas “perfomances”, que os
pigmeus são os grandes mestres da caça… de admirar é que também o sejam na
ética e na moral.
<< Home