Na língua portuguesa a água é femenino... |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 214
- Espinhos desgraçados…
Aquela agonia continuou
enquanto a noite chegava. Em certos momentos, as vozes estavam tão vizinhas que
ele esperava ver um homem atravessar a frágil cortina de arbustos, entrar no
buraco. Enxergava, por entre os galhos, um vaga-lume a voar.
Não sentia medo, mas
começava a impacientar-se. Assim chegaria atrasado ao encontro. Ouvia
conversas. Falavam em cortá-lo à faca, queriam saber quem o mandara. Não tinha
medo mas não queria morrer.
Logo agora, quando os
barulhos estavam começando e havia aquele pedaço de terra a comprar, de
sociedade com o Clemente.
O silêncio durou certo
tempo, a noite caíra rápida como cansada de esperar. Ele também estava cansado
de esperar. Saiu do buraco, dobrado para a frente, os arbustos eram baixos.
Espiava cautelosamente. Ninguém nas proximidades. Teriam desistido? Era capaz,
com a chegada da noite. Ergueu-se, olhou, não enxergava senão as árvores
próximas, o resto era negrume.
Fácil orientar-se. Em sua
frente, o mar. Atrás era o porto. Para a frente devia ir, sair próximo à praia,
rodear os rochedos, procurar o Loirinho. Já não estaria no Bate-Fundo. Receber
seu dinheiro bem ganho, merecia até um agrado a mais, por aquela perseguição. À
sua direita a luz de um poste, marcando o fim de uma subida, outro no meio.
Mais além, fracas e raras, luzes de casas. Começou a andar. Mal deu dois passos
afastando o mato, e a primeira tocha apareceu subindo a estrada. Um rumor de
vozes no vento. Estavam voltando, com tochas acesas, não haviam desistido como
ele pensara.
As primeiras tochas chegavam
ao alto, onde estavam as casas. Pararam à espera dos outros, conversando com os
moradores. Perguntando se ele não se mostrara.
- A gente quer ele vivo. Pra judiar.
- Vamos levar a cabeça para Itabuna.
Pra judiar… Sabia o que isso
significava. Se tivesse de morrer, era matando um ou dois que ia suceder. Tomou
novamente do revólver, esse finado devia ser mesmo importante. Se saísse com
vida, exigiria um agrado maior.
De súbito, a luz de uma
lanterna eléctrica cortou a escuridão, bateu no rosto do negro. Um grito:
- Ali!
Um movimento de homens a
correr. Abaixou-se, rápido, entrou pelo mato. Ao sair do buraco, rebentara
galhos de arbustos, já não servia como esconderijo. Os perseguidores
aproximavam-se. O negro atirou-se para a frente, animal acossado, rompendo
espinheiros, rasgando a carne das espáduas, pois ia curvado.
A descida era em rampa, o
mato mais cerrado, arbustos virando árvores, os pés topavam com pedras. O
barulho indicava muitos homens. Desta vez não se haviam dividido, marchavam
juntos. Estavam perto. O negro rompia com dificuldade o mato grosso, duas vezes
caiu, agora muito ferido em todo o corpo, o rosto a sangrar.
Ouviu golpes de facão
cortando o mato, uma voz comandando:
- Não pode escapar. Na
frente é o precipício. Vamos fazer um cerco – e dividia os homens.
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