quarta-feira, outubro 10, 2012

Na língua portuguesa a água é femenino...

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 214





- Espinhos desgraçados…
Aquela agonia continuou enquanto a noite chegava. Em certos momentos, as vozes estavam tão vizinhas que ele esperava ver um homem atravessar a frágil cortina de arbustos, entrar no buraco. Enxergava, por entre os galhos, um vaga-lume a voar.

Não sentia medo, mas começava a impacientar-se. Assim chegaria atrasado ao encontro. Ouvia conversas. Falavam em cortá-lo à faca, queriam saber quem o mandara. Não tinha medo mas não queria morrer.

Logo agora, quando os barulhos estavam começando e havia aquele pedaço de terra a comprar, de sociedade com o Clemente.

O silêncio durou certo tempo, a noite caíra rápida como cansada de esperar. Ele também estava cansado de esperar. Saiu do buraco, dobrado para a frente, os arbustos eram baixos. Espiava cautelosamente. Ninguém nas proximidades. Teriam desistido? Era capaz, com a chegada da noite. Ergueu-se, olhou, não enxergava senão as árvores próximas, o resto era negrume.

Fácil orientar-se. Em sua frente, o mar. Atrás era o porto. Para a frente devia ir, sair próximo à praia, rodear os rochedos, procurar o Loirinho. Já não estaria no Bate-Fundo. Receber seu dinheiro bem ganho, merecia até um agrado a mais, por aquela perseguição. À sua direita a luz de um poste, marcando o fim de uma subida, outro no meio. Mais além, fracas e raras, luzes de casas. Começou a andar. Mal deu dois passos afastando o mato, e a primeira tocha apareceu subindo a estrada. Um rumor de vozes no vento. Estavam voltando, com tochas acesas, não haviam desistido como ele pensara.

As primeiras tochas chegavam ao alto, onde estavam as casas. Pararam à espera dos outros, conversando com os moradores. Perguntando se ele não se mostrara.

 - A gente quer ele vivo. Pra judiar.

 - Vamos levar a cabeça para Itabuna.

Pra judiar… Sabia o que isso significava. Se tivesse de morrer, era matando um ou dois que ia suceder. Tomou novamente do revólver, esse finado devia ser mesmo importante. Se saísse com vida, exigiria um agrado maior.

De súbito, a luz de uma lanterna eléctrica cortou a escuridão, bateu no rosto do negro. Um grito:

 - Ali!

Um movimento de homens a correr. Abaixou-se, rápido, entrou pelo mato. Ao sair do buraco, rebentara galhos de arbustos, já não servia como esconderijo. Os perseguidores aproximavam-se. O negro atirou-se para a frente, animal acossado, rompendo espinheiros, rasgando a carne das espáduas, pois ia curvado.

A descida era em rampa, o mato mais cerrado, arbustos virando árvores, os pés topavam com pedras. O barulho indicava muitos homens. Desta vez não se haviam dividido, marchavam juntos. Estavam perto. O negro rompia com dificuldade o mato grosso, duas vezes caiu, agora muito ferido em todo o corpo, o rosto a sangrar.

Ouviu golpes de facão cortando o mato, uma voz comandando:

- Não pode escapar. Na frente é o precipício. Vamos fazer um cerco – e dividia os homens.

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