sexta-feira, outubro 26, 2012

Na genuinidade de Gabriela não cabia a Srª Saad

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 128


Também ela sentia por ele uma coisa por dentro, diferente da que sentia por todos os outros. Com todos os outros sem excepção, nem mesmo Clemente, mesmo Betinho, era só para dormir. Quando pensava num moço, para ele se ria, Tonico ou Josué, Epaminondas, Ari, só pensava tê-lo na cama, em seus braços gemer, morder sua boca, seu corpo fruir.

Por seu Nacib sentia tudo isso também e mais do que isso. Dele gostava, de ficar junto, de ouvi-lo falar, de cozinhar comida picante para ele comer, de sentir sua perna pesada na anca, de noite.

Dele gostava na cama para aquilo que na cama se faz em vez de dormir. Mas não só na cama nem só por isso. Para o resto também. E para o resto, só dele gostava. Para ela seu Nacib era tudo: marido e patrão, família que nunca tivera, o pai, a mãe e o irmão que morrera apenas nascido. Seu Nacib era tudo, tudo que possuía. Ruim ser casada. Besteira casar. Bem melhor fora antes.

A aliança no dedo em nada mudara seus sentimentos por seu Nacib. Apenas, casada, vivia a brigar, a ofendê-lo, todo o dia a magoá-lo. Gostava não de ofendê-lo. Mas como evitar? Tudo quanto Gabriela amava, ah! era proibido à Srª Saad. Tudo o que a Srª Saad devia fazer, ah!, essas coisas Gabriela não as tolerava. Mas terminava cedendo para não magoar seu Nacib, tão bom. As outras fazia escondida para ele não saber. Para não ofendê-lo.

Bem melhor era antes, tudo podia fazer, ele tinha ciúmes mas eram ciúmes de homem solteiro, logo passavam, passavam na cama. Podia tudo fazer sem medo dele ficar ofendido. Antes cada minuto era alegre, vivia a cantar, os pés a dançar. Agora cada alegria custava tristeza. Não tinha ela de visitar as famílias de Ilhéus? Ficava sem jeito, vestida de seda, sapato doendo, em dura cadeira. Sem abrir a boca para não dizer inconveniência.

Sem rir, parecendo de pau, gostava não. Para que lhe servia tanto vestido, tanto sapato, jóias, anéis, brincos, tudo de ouro se não podia ser a Gabriela? Não gostava de ser a Srª Saad.

Agora não tinha mais jeito, porque aceitara? Para não ofendê-lo? Quem sabe se por medo de um dia perdê-lo?

Fez mal em aceitar, agora era triste, vivia fazendo o que não lhe agradava. E pior que tudo, para ser Gabriela, alguma coisa ainda possuir, sua vida viver, ah!, fazia escondido, ofendendo, magoando. Seu amigo Tuísca nem vinha mais vê-la. Adorava Nacib e tinha porquê. Raimunda doente, Nacib mandava em sua casa levar dinheiro para a feira. Era bom seu Nacib.

Tuísca achava que ela devia ser a Srª Saad, não mais Gabriela. Por isso não vinha, porque Gabriela ofendia, magoava Nacib. Seu amigo Tuísca nem ele entendia.

Ninguém entendia. Dª Arminda pasmava, dizia que eram os maus espíritos, ela não quisera se desenvolver. Onde se via ter de um tudo e viver com a cabeça em tanta tolice? Nem mesmo Tuísca podia entender quanto mais Dª Arminda.

Ainda agora, que podia fazer? O fim do ano estava chegando. Com bumba-meu-boi, com terno de reis, pastorinhas, presépios, ah!, disso gostava. Na roça saíra de pastorinha. Terno mais pobre, nem tinha lanternas, mas era tão bom! Bem perto dali, na casa de Dora (na última casa da subida da rua, onde ela ia provar seus vestidos, um terno, pois era Dora sua costureira) começavam os ensaios de um terno de reis. Com pastorinhas, lanternas e tudo. Dora dissera:

 - Para levar a bandeira, o estandarte dos reis, só Dª Gabriela.

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