quarta-feira, outubro 31, 2012

O Genial Jorge Amado e a Talentosa Sónia Braga

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 130


Faziam comparações com o sempre lembrado Dr. Argileu Palmeira, duas vezes formado com sua voz de trovão. Aquilo é que era conferencista! Besteira querer comparar. Sem falar que o moço do Rio nem sabia beber. Bastava dois tragos de boa cachaça local e ele ficava caindo de bêbado.

Dr. Argileu podia encostar com os mais famosos chacareiros de Ilhéus, era um gambá para beber, um Rui Barbosa para falar. Aquele, sim, um talento.

No entanto a discutida conferência tivera sua nota animada, seu pitoresco. Envolta em perfume tão forte que encheu toda a sala, trajando melhor do qualquer das senhoras, vestido de rendas mandado buscar da Baía, abanando-se com um leque, verdadeira matrona – não pela idade pois era tão jovem, mas pela pose, os modos sérios, o recato dos olhos, por sua extrema dignidade uma verdadeira matrona – fez sua inesperada aparição na sala a proibida Glória, antiga solidão a suspirar na janela, consolada carnação magnífica, sem suspiros agora.

A do Dr. Demóstenes, largando o “lorgnon”, rosnou.

 - Atrevida!

A do Dr. Alfredo, mulher de deputado (estadual, é verdade, mas mesmo assim importante) levantou-se quando Glória, gloriosa, pedindo licença, no salão nobre, a seu lado, a cobiçada bunda numa cadeira sentou. Arrastando Jerusa, mais adiante foi instalar-se a ofendida senhora.

Glória sorriu, arrebanhando as voltas da saia. Quem junto dela sentou foi o padre Basílio, a quanto o obrigava a caridade cristã! Os homens lançavam olhares medrosos, sob vigilante controle das esposas.

“Josué felizardo!”, invejavam arriscando uma olhadela furtiva. Por mais precauções, cuidadosos cuidados, quem não sabia, na cidade de Ilhéus, da desvairada paixão do professor do colégio pela manceba do coronel? Só mesmo Coriolano ainda estava por descobrir.

Josué levantou-se, pálido e magro, enxugou inexistente suor com lenço de seda, presente de Glória (aliás por Glória estava vestido da cabeça aos pés, da brilhantina cheirosa à pasta dando lustro aos sapatos) cantou suas palavras bonitas, chamando o jornalista do Rio de «fulgurante talento da nova geração, a dos antropófagos e futuristas».

Elogiou o rapaz, mas sobretudo combateu a hipocrisia, reinante na literatura anterior e na sociedade de Ilhéus. A literatura era para cantar as belezas da vida, o prazer de viver, o corpo formoso das mulheres. Sem hipocrisias. Aproveitou para declamar um poema nascido de Glória, um horror de imoral. Glória, orgulhosa, aplaudia.

A esposa de Alfredo quis retirar-se, só não o fez porque Josué acabara, desejava ouvir o doutor. O doutor ninguém entendeu mas não era imoral.

Coisas que quase já não escandalizavam ninguém, tanto mudara Ilhéus, “paraíso das mulheres de má vida, de costumes corruptos, perdendo aquela sobriedade, aquela simplicidade, aquela decência dos tempos de antanho” como discursava o Dr. Maurício, candidato a Intendente, disposto a restaurar a austera moral.

Como escandalizar-se com a presença de Glória numa conferência quando circulava a notícia, logo confirmada, da fuga de Malvina?

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