O Genial Jorge Amado e a Talentosa Sónia Braga |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 130
Faziam comparações com o sempre lembrado Dr. Argileu
Palmeira, duas vezes formado com sua voz de trovão. Aqui lo
é que era conferencista! Besteira querer comparar. Sem falar que o moço do Rio
nem sabia beber. Bastava dois tragos de boa cachaça local e ele ficava caindo
de bêbado.
Dr. Argileu podia encostar com os mais famosos
chacareiros de Ilhéus, era um gambá para beber, um Rui Barbosa para falar.
Aquele, sim, um talento.
No entanto a discutida conferência tivera sua nota
animada, seu pitoresco. Envolta em perfume tão forte que encheu toda a sala,
trajando melhor do qualquer das senhoras, vestido de rendas mandado buscar da
Baía, abanando-se com um leque, verdadeira matrona – não pela idade pois era
tão jovem, mas pela pose, os modos sérios, o recato dos olhos, por sua extrema
dignidade uma verdadeira matrona – fez sua inesperada aparição na sala a
proibida Glória, antiga solidão a suspirar na janela, consolada carnação
magnífica, sem suspiros agora.
A do Dr. Demóstenes, largando o “lorgnon”, rosnou.
- Atrevida!
A do Dr. Alfredo, mulher de deputado (estadual, é
verdade, mas mesmo assim importante) levantou-se quando Glória, gloriosa,
pedindo licença, no salão nobre, a seu lado, a cobiçada bunda numa cadeira sentou.
Arrastando Jerusa, mais adiante foi instalar-se a ofendida senhora.
Glória sorriu, arrebanhando as voltas da saia. Quem
junto dela sentou foi o padre Basílio, a quanto o obrigava a caridade cristã!
Os homens lançavam olhares medrosos, sob vigilante controle das esposas.
“Josué felizardo!”, invejavam arriscando uma olhadela
furtiva. Por mais precauções, cuidadosos cuidados, quem não sabia, na cidade de
Ilhéus, da desvairada paixão do professor do colégio pela manceba do coronel?
Só mesmo Coriolano ainda estava por descobrir.
Josué levantou-se, pálido e magro, enxugou inexistente
suor com lenço de seda, presente de Glória (aliás por Glória estava vestido da
cabeça aos pés, da brilhantina cheirosa à pasta dando lustro aos sapatos)
cantou suas palavras bonitas, chamando o jornalista do Rio de «fulgurante
talento da nova geração, a dos antropófagos e futuristas».
Elogiou o rapaz, mas sobretudo combateu a hipocrisia,
reinante na literatura anterior e na sociedade de Ilhéus. A literatura era para
cantar as belezas da vida, o prazer de viver, o corpo formoso das mulheres. Sem
hipocrisias. Aproveitou para declamar um poema nascido de Glória, um horror de
imoral. Glória, orgulhosa, aplaudia.
A esposa de Alfredo qui s
retirar-se, só não o fez porque Josué acabara, desejava ouvir o doutor. O
doutor ninguém entendeu mas não era imoral.
Coisas que quase já não escandalizavam ninguém, tanto
mudara Ilhéus, “paraíso das mulheres de má vida, de costumes corruptos,
perdendo aquela sobriedade, aquela simplicidade, aquela decência dos tempos de
antanho” como discursava o Dr. Maurício, candidato a Intendente, disposto a
restaurar a austera moral.
Como escandalizar-se com a presença de Glória numa
conferência quando circulava a notícia, logo confirmada, da fuga de Malvina?
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