sábado, outubro 20, 2012

O que a atormentará?

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 123


Voltou-se para o filho. Diga a tua mulher e a Jerusa para se aprontarem. Vão os três levar a moça. Depressa.

Alfredo abriu a boca, ia falar. Ramiro repetiu:

 - Depressa!

Foi assim que naquela noite ela chegou em casa acompanhada por um deputado, sua esposa e filha. A mulher de Alfredo ia calada, roendo-se por dentro. Mas Jerusa lhe dava o braço, falava de mil coisas. A sorte era a casa de Dª Arminda estar fechada. Dia de sessão, a parteira ainda não chegara. Raros curiosos subiam a rua, a caçada prosseguia.

Nacib veio pouco mais de meia-noite e ainda ficou na janela a ver a passagem dos jagunços de volta do morro. Apenas as subidas ficaram guardadas. Havia quem dissesse o negro ter caído no precipício. Finalmente foram deitar-se.

Há muito tempo não estivera Gabriela tão carinhosa, tão se entregando e tanto dele tomando como naquela noite. Ultimamente até ele já se queixara, ela andava arredia, esquiva, como se estivesse sempre cansada. Nunca se recusava quando ele a queria. Não mais o espicaçava, porém, como antes – a fazer-lhe cócegas, a exigir carinho e posse – quando ele chegava fatigado e se atirava com sono na cama.

Ria somente, deixava-o dormir, a perna de Nacib sobre a sua anca. Quando ele a buscava entregava-se, risonha, chamava-o “moço bonito”, gemia em seus braços: mas onde estava aquela fúria de outrora? Como se agora fosse alegre brinquedo o que antes era uma loucura de amor, um nascer e morrer, um mistério cada noite desvendado e renovado, todas as vezes sendo igual à primeira, num espanto de descoberta, parecendo ser a última num desespero de fim.

Ele até já se queixara a Tonico, seu antigo confidente. O tabelião lhe explicara que assim se passava em todos os casamentos: o amor se acalmava, doce amor de esposa, discreto e espaçado, não mais a violência da amante, exigente e lasciva. Boa explicação, verdadeira talvez, mas não consolava. Andava pensando em falar a Gabriela.

Naquela noite, porém, ela voltara a ser a mesma de outrora. Seu calor o queimava, fogueira ardente, chama impossível de apagar, fogo sem cinza, incêndio de suspiros e ais. A pele de Gabriela queimava sua pele. Aquela sua mulher ele não a tinha apenas na cama. Estava pra sempre cravada em seu peito, cosida em seu corpo, na sola dos pés, no couro da cabeça, na ponta dos dedos.

Pensava que seria doce morrer nos seus braços. Feliz adormeceu, a perna sobre a anca cansada de Gabriela.

Às três horas, Gabriela enxergou, pela frincha entreaberta, Amâncio a fumar junto ao poste, jagunços mais abaixo. Foi buscar Fagundes. Ao passar junto ao quarto de dormir, viu Nacib agitado no sono, sentindo falta da sua anca. Entrou, pôs um travesseiro sob a perna inquieta. Nacib sorria, era um moço tão bom!

 - Deus um dia te paga – Fagundes se despedia.

 - Compra a roça com Clemente.

Amâncio apressava:

 - Vamos. Depressa! – E para Gabriela: - Ainda uma vez, obrigado.

Fagundes voltou-se mais adiante e a viu parada à porta. Não havia no mundo nada igual. Quem podia com ela se comparar? 

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