A vida moderna está muito distante da sociedade de pequena
escala que em tempos fomos e às vezes torna-se tão hierárqui ca
e competitiva que mais parece um bando de chimpanzés ou uma matilha de lobos.
O que acontece quando atravessamos a
divisória da cooperação em sentido contrário? Deixamos de falar e pomo-nos a
apontar para mostrar as coisas uns aos outros? Evitamos o contacto visual?
Pergunto-me se os óculos de sol não
serão uma maneira moderna de correr as cortinas sobre as janelas da alma, como
os olhos opacos dos nossos parentes primatas. Quando não se destinam a proteger
do sol, não serão usados sobretudo em ambientes sociais competitivos e hierárqui cos?
Cheio de curiosidade a este respeito,
David Sloan Wilson, enviou um e-mail a Mike Tomaselo, exactamente o cientista
que desenvolveu a teoria "do olho cooperativo" para explicar como os
nossos olhos se tornaram tão diferentes dos outros primatas, e recebeu a
seguinte resposta:
- "Não conheço dados, mas vi o
Campeonato Mundial de Pocker na televisão e todos eles usavam óculos escuros de
sol."
Estes comportamentos revelam uma
preocupação competitiva prevalecente que é o contrário da que teve por base a
evolução dos nossos olhos. Incapazes de os tornar opacos, como os dos
chimpazés, tapamo-los com óculos escuros.
A humanidade evoluiu, cresceram os
grupos sociais, hierarqui zaram-se
inevitàvelmente, as "cartas" do evolucionismo estavam lançadas, a
humanidade encontrava-se por sua conta..., o igualitarismo das sociedades
primitivas dos Bosquímanos do Kalahari ficou desadequado, milhões de anos de
evolução tornaram os nossos olhos perigosos aos nossos intentos... a competição
veio para ficar, resta saber se para nos destruir.
Certo, é que nos continuamos a
extasiar perante uns olhos bonitos, expressão máxima da beleza natural do rosto
humano. A evolução fez o seu trabalho, levou-nos, dentro dos nossos pequenos
grupos sociais, com o toque de beleza dos nossos olhos, à igualdade, entreajuda
e harmonia, e nós, para além de nos continuarmos a apaixonar por eles, vamos
continuar a escondê-los para surpreendermos o nosso adversário?
Por favor, olhem-me, olhos nos olhos, frontalmente, olhem para dentro de mim, os olhos são a janela do meu rosto, abertas de par em par aguardam a tua visita, o interesse da tua pessoa por mim, há!, e se vierem de óculos escuros, daqueles muitos escuros, horríveis e ameaçadores, que se usam agora, tirem-nos para cumprimentarem, como se fazia antigamente quando se andava de boné ou chapéu.
Nunca poderei esquecer a forma como o povo Luena se
cumprimentava quando se cruzavam nos caminhos, lá nas terras do “fim-do-mundo”, do Alto-Zambeze, no Leste de Angola.
Parados, em frente um do o outro, os pulsos seguros com
firmeza, perguntavam, os olhos nos olhos, brilhando de alegria por se verem:
- “Gum”… “Gum”… “Gum”?
… (estás bom?)
Jamais aquele “olá”, olhando em frente, sem parar,
baixando ligeiramente a cabeça, leve aceno de braço… mais despedimento que
cumprimento…
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