CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 137
O luxo, a explodir nos crepes da china,
nos tafetás, nos veludos, nas jóias, encobria certa falta de requi nte, e ar de roceira de algumas senhoras, como as
notas de qui nhentos mil réis, em
maços nos bolsos, ocultavam o jeito atabalhoado dos coronéis, seu falar
tabaréu.
Mas os donos da festa eram os jovens.
Alguns dos rapazes usavam smoking, apesar do calor. As moças riam nas salas,
abanando-se com leques, namorando, tomando refrescos.
Corria champanhe, as bebidas mais caras.
As salas caprichosamente enfeitadas com serpentinas e flores artificiais. Festa
tão grande e falada, até João Fulgêncio, inimigo de bailes, comparecera. Ele e
o Doutor.
Jerusa sorriu quando enxergou Mundinho
Falcão a conversar com o árabe Nacib e a boa Gabriela, que mal podia manter-se
de pé. Sapato infeliz apertava-lhe a ponta do dedo. Não nasceram seus pés para
andarem calçados. Mas estava tão bonita que até as senhoras mais presunçosas –
mesmo a do Dr. Demóstenes, feia pernóstica – não podiam negar ser aquela mulata
a mais formosa mulher da festa.
- Gentinha do povo, mas bonita –
confessavam.
Uma filha do povo perdida nesse rumor de
conversas que não entendia, de luxo que não a atraía, de invejas, vaidades, de
disse-que-disse que não a tentavam. Daqui
a pouqui nho o terno de reis, com as
pastoras alegres, o estandarte bordado, estaria nas ruas. Parando diante das
casas, dos bares, cantando, dançando, pedido licença para entrar.
As portas se abriam, nas salas dançavam
e cantavam, bebiam licor, comiam doces. Nessa noite de Ano Novo e nas duas de
Reis, mais de dez ternos e bumba-meu-boi, saíram do Unhão, da conqui sta da Ilha das Cobras, do Pontal, do outro lado
do rio para brincar nas ruas de Ilhéus.
Gabriela dançou com Nacib, com Tonico,
com Ari, com o Capitão. Volteava com graça, mas essas danças não amava dançar,
rodando nos braços de um cavalheiro. Dança para ela era outra coisa, um coco
mexido, um samba de roda, um maxixe embolado. Ou bem uma polca puxada a
harmónica. Tango argentino, valsa, fox-trot, gostava não. Ainda mais com aquele
sapato mordendo seu dedo.
Festa animada. Desanimado só Josué.
Encostado à janela, olhando para fora, um copo na mão. No sereno repleto,
ocupando a calçada e a rua, Glória espiava. A seu lado, como se fosse por
acaso, Coriolano, cansado, querendo ir para a cama. Seu baile, ele mesmo dizia,
era a cama de Glória.
Mas Glória tardava, toda no luxo
espiando a janela, o rosto magro de Josué. Explodiam nas mesas as rolhas das
garrafas de champanhe. Mundinho Falcão disputado pelas moças, dançava com
Jerusa. Diva, Iracema, tirou Gabriela.
Nacib metia-se na roda dos homens, a
conversar. Dançar não apreciava: duas, três vezes na noite, arrastava o pé com
Gabriela. Deixava-a depois na mesa com a boa esposa de João Fulgêncio. Por
baixo da toalha, Gabriela arrancava o sapato, passava a mão no pé dolorido.
Fazia um esforço para não bocejar.
Vinham senhoras, sentavam à mesa,
tocavam a conversar, a rir animadas com a mulher de João Fulgêncio. Por muito
favor lhe davam boa-noite, perguntavam como ia a saúde. Ficava calada, olhando
para o chão.
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