segunda-feira, novembro 12, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 137


O luxo, a explodir nos crepes da china, nos tafetás, nos veludos, nas jóias, encobria certa falta de requinte, e ar de roceira de algumas senhoras, como as notas de quinhentos mil réis, em maços nos bolsos, ocultavam o jeito atabalhoado dos coronéis, seu falar tabaréu.

Mas os donos da festa eram os jovens. Alguns dos rapazes usavam smoking, apesar do calor. As moças riam nas salas, abanando-se com leques, namorando, tomando refrescos.

Corria champanhe, as bebidas mais caras. As salas caprichosamente enfeitadas com serpentinas e flores artificiais. Festa tão grande e falada, até João Fulgêncio, inimigo de bailes, comparecera. Ele e o Doutor.

Jerusa sorriu quando enxergou Mundinho Falcão a conversar com o árabe Nacib e a boa Gabriela, que mal podia manter-se de pé. Sapato infeliz apertava-lhe a ponta do dedo. Não nasceram seus pés para andarem calçados. Mas estava tão bonita que até as senhoras mais presunçosas – mesmo a do Dr. Demóstenes, feia pernóstica – não podiam negar ser aquela mulata a mais formosa mulher da festa.

- Gentinha do povo, mas bonita – confessavam.

Uma filha do povo perdida nesse rumor de conversas que não entendia, de luxo que não a atraía, de invejas, vaidades, de disse-que-disse que não a tentavam. Daqui a pouquinho o terno de reis, com as pastoras alegres, o estandarte bordado, estaria nas ruas. Parando diante das casas, dos bares, cantando, dançando, pedido licença para entrar.

As portas se abriam, nas salas dançavam e cantavam, bebiam licor, comiam doces. Nessa noite de Ano Novo e nas duas de Reis, mais de dez ternos e bumba-meu-boi, saíram do Unhão, da conquista da Ilha das Cobras, do Pontal, do outro lado do rio para brincar nas ruas de Ilhéus.

Gabriela dançou com Nacib, com Tonico, com Ari, com o Capitão. Volteava com graça, mas essas danças não amava dançar, rodando nos braços de um cavalheiro. Dança para ela era outra coisa, um coco mexido, um samba de roda, um maxixe embolado. Ou bem uma polca puxada a harmónica. Tango argentino, valsa, fox-trot, gostava não. Ainda mais com aquele sapato mordendo seu dedo.

Festa animada. Desanimado só Josué. Encostado à janela, olhando para fora, um copo na mão. No sereno repleto, ocupando a calçada e a rua, Glória espiava. A seu lado, como se fosse por acaso, Coriolano, cansado, querendo ir para a cama. Seu baile, ele mesmo dizia, era a cama de Glória.

Mas Glória tardava, toda no luxo espiando a janela, o rosto magro de Josué. Explodiam nas mesas as rolhas das garrafas de champanhe. Mundinho Falcão disputado pelas moças, dançava com Jerusa. Diva, Iracema, tirou Gabriela.

Nacib metia-se na roda dos homens, a conversar. Dançar não apreciava: duas, três vezes na noite, arrastava o pé com Gabriela. Deixava-a depois na mesa com a boa esposa de João Fulgêncio. Por baixo da toalha, Gabriela arrancava o sapato, passava a mão no pé dolorido. Fazia um esforço para não bocejar.

Vinham senhoras, sentavam à mesa, tocavam a conversar, a rir animadas com a mulher de João Fulgêncio. Por muito favor lhe davam boa-noite, perguntavam como ia a saúde. Ficava calada, olhando para o chão. 

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