sexta-feira, novembro 30, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 152


Só lembrava a Gabriela de antes, daqueles primeiros tempos. Faziam sofrer, mas eram doces lembranças. De quando em vez, no entanto, a feri-lo no peito, no orgulho de macho (pois já não podia feri-lo na honra de marido, marido não era, marido não fora), ele a via nos braços de outro.

Difíceis as primeiras semanas, vazias, ele morto por dentro. De casa para o bar, do bar para casa. Por vezes ia conversar com João Fulgêncio, ouvia-o falar de assuntos diversos.

Um dia os amigos o levaram quase a pulso, ao novo cabaré. Bebeu muito, de mais. Mas tinha uma resistência brutal, não ficou bêbado de todo. Na outra noite voltou. Conheceu Rosalinda, uma loira do Rio, o oposto de Gabriela. Começava a viver, lentamente a esquecia. O mais trabalhoso foi dormir com outra mulher.

Metida no meio, lá estava Gabriela. A sorrir. A estirar-lhe os braços, a botar a anca sob sua perna, a deitar a cabeça em seu peito. Nenhuma tinha o seu gosto, seu cheiro, seu calor, seu morrer e matar. Mesmo isso, porém, foi aos poucos passando.

Rosalinda, lembrava Risoleta, sabida no amor. Agora todas as noites vinha buscá-la, a não ser quando ela devia ir dormir com o coronel Manuel das Onças, que lhe pagava o quarto e a comida em casa de Maria Machadão. Uma noite faltou um parceiro, na roda do pocker.

Tomou do baralho, jogou até tarde. Começou novamente a sentar-se às mesas, a conversar com os amigos, a disputar partidas de damas e gamão. A comentar as notícias, a discutir política, a rir de anedotas, a contá-las também. A dizer que na terra de seu pai era ainda pior, tudo o que sucedia em ilhéus lá sucedia também em ponto maior.

Já não a enxergava no bar, já podia em seu leito dormir, apenas o perfume de cravo ainda sentia. Nunca fora tão convidado para almoços, jantares, ceias em casa de Machadão, farras com mulheres nos coqueirais do Pontal. Como se gostassem ainda mais dele, mais o estimassem e considerassem.

Nunca pensara. Ele rompera com a lei. Em vez de matá-la, tinha-a deixado ir em paz. Em vez de ter atirado em tónico contentou-se com uma bofetada. Imaginou a sua vida daí em diante como um inferno. Assim não haviam feito com o Dr. Felesmino? Não lhe haviam negado o cumprimento.

Não o apelidaram de “Boi Manso? Não o obrigaram a ir-se de Ilhéus? Porque o médico não matara a mulher e o amante, a lei não cumprira. É verdade que ele, Nacib, anulara seu casamento, borrara o presente e o passado. Mas nunca esperou que compreendessem e aceitassem.

Tivera a visão do bar deserto, sem fregueses, das mãos recusadas dos amigos, dos risos de mofa, das pancadinhas nas costas de Tonico a felicitá-lo, a debochar de Nacib. Nada disso acontecera. Bem ao contrário.

Ninguém lhe falava no assunto e quando, casualmente, a ele se referiam era para louvar sua malícia, sua esperteza, a maneira como saíra daquele embrulho. Riam e debochavam, mas não de Nacib, e, sim de Tonico. Ridicularizavam o tabelião com elogios à sabedoria do árabe.

Tonico mudara-se para o Pingo de Ouro, com seu amargo diário. Pois o próprio Plínio Araça encontrou maneira de esfregar-lhe na cara a boa peça que Nacib lhe pregara.

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