quinta-feira, novembro 29, 2012

Que bem lhe ficam estas flores.

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 151

Continuava na papelaria a discussão.

 - A fidelidade é a maior prova de amor – Dizia Nhô-Galo.

 - É a única medida com que se pode calcular as dimensões de um amor – apoiava o Capitão.

O amor não se prova, nem se mede. É como Gabriela. Existe, e isso basta - falou João Fulgêncio – O facto de não se compreender ou explicar uma coisa não acaba com ela. Nada sei das estrelas, mas vejo no céu, são a beleza da noite.


Da Vida Surpreendente


Aquela primeira noite na casa sem Gabriela: dolorosa de sua recordação vazia de sua presença. Em vez de seu sorriso a esperá-lo, a humilhação a machucar, a certeza de não se tratar de um pesadelo, de ter acontecido aquela coisa impossível, nunca imaginada.

A casa vazia sem Gabriela, cheia de lembranças e sentimentos. Enxergava Tonico sentado na borda do leito. A raiva, a tristeza, o saber que tudo terminara, que ela não estava, que era de outro, que não mais a teria.

Noite cansada, fatigante, como se ele carregasse todo o peso da Terra, longa como o fim do mundo. Nunca mais iria acabar. Aquela dor funda, aquele vazio, não saber o que fazer, não saber para que viver, para que trabalhar.

Os olhos secos de lágrimas, o peito rasgado a punhal. Sentado na beira da cama, impossível dormir. Nunca mais dormiria nessa noite apenas começada, noite a durar a vida inteira.

De Gabriela ficara entranhado nos lençóis, no colchão o perfume de cravo. Dentro de suas narinas. Não podia olhar para a cama porque a via, deitada, nua, os seios erguidos, a curva das ancas, a sombra veludosa das coxas, a terra plantada no ventre.

Sua cor de canela onde em violeta Nacib deixava, nos ombros, no peito, a marca dos lábios. O dia acabara para sempre, aquela noite em seu peito duraria todo a vida, murchos bigodes caídos para nunca mais, um travo amargo na boca para sempre amarga, não voltaria a sorrir, jamais!

Alguns dias depois já sorria, ouvindo, no Vesúvio, Nhô-Galo imprecar contra os padres. Foram difíceis as primeiras semanas. Semanas vazias de tudo, plenas de sua ausência.

Cada coisa, cada pessoa a trazia de volta. Olhava o balcão e ela lá estava, de pé, uma flor atrás da orelha. Olhava a Igreja e a via chegando, os pés nas chinelas. Olhava o Tuísca e ei-la na roda a dançar, cantando cantigas.

Chegava o Doutor, falava em Ofenísia, ele ouvia Gabriela. Jogavam o Capitão e Felipe, seu rir cristalino soava no bar. Pior ainda em casa: em cada canto a enxergava, a cozinhar no fogão, a sentar-se ao sol no batente da porta, a morder goiabas no quintal, a apertar a cara do gato contra seu rosto, a mostrar o dente de ouro, a esperá-lo sob o luar no quartinho dos fundos.

Nem se dava conta de uma particularidade dessas lembranças a acompanhá-lo durante semanas, no bar, na rua, em casa. É que jamais a recordava no tempo de casados (ou de amigados, como explicava aos demais: tudo não passara de imaginação).

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