terça-feira, novembro 06, 2012

Para quê cobrir de chocolate?



              GABRIELA
              CRAVO
               E
               CANELA

                    


                     Episódio Nº 134



A pastora Gabriela, ou da Srª Saad no «reveillon»


«O que vai dizer minha irmã, a besta do meu cunhado?» Não Gabriela, como poderia Nacib consentir? Jamais poderia. E com aquilo da irmã, ele tinha razão.

Que diria o povo de Ihéus, seus amigos do bar, as senhoras da alta-roda, coronel Ramiro que tanto a distinguia? Impossível, Gabriela, impossível pensar em tal coisa, nunca vira absurdo maior. Bié precisa de se convencer que não é mais uma pobre empregada, sem família, sem nome, sem nata de nascimento, sem situação social.

Como imaginar a Srª Saad na frente do terno, a trazer na cabeça coroa dourada de papelão, rebolando o corpo na dança de passos miúdos, vestida de cetim azul e vermelho empunhando estandarte, entre vinte e duas pastoras conduzindo lanternas, a pastora Gabriela, a primeira de todas, a mais notada de todas? Impossível, Bié, que ideia mais doida…

É claro, ele gostava de ver, aplaudia no bar, mandava servir rodada de cerveja. Quem não gostava? Que era bonito, quem ia negar? Mas ela já vira alguma senhora, casada, distinta, saindo a dançar em terno de reis? Não viesse com o exemplo de Dora, por coisas assim o marido a largara, a deixara na máquina a costurar para os outros. E ainda por cima com sua irmã na cidade, um saco de empáfia, e aquele cunhado, todo cheio de vento com seu anel de doutor. Ele a tomou e a sentou no colo.

Não fique triste Bié. Ria para mim.

Riu, por dentro choravas. Chorou naquela tarde sobre o vestido de cetim, tão belo, azul e vermelho, combinação mais vistosa de cores! Sobre a coroa dourada, com uma estrela. Sobre o estandarte as cores do terno e pregado no meio, o Menino Jesus e o cordeiro. Não a consolou o presente que ele lhe trouxe, de noite, ao voltar para casa: uma écharpe cara, bordada, com franjas.

 - Pra você usar no baile do Ano bom – disse ele – No tal de “reiveillon”. Quero que Bié seja a mais bonita da festa.

Não se falava de outra coisa em Ilhéus senão nesse “reiveillon” do Club Progresso, organizado pelas moças e rapazes estudantes. As costureiras não davam conta de tanta encomenda, Vestidos chegavam da Baía; nos alfaiates, as roupas de homem, de brim branco HJ, sendo provadas; as mesas todas tomadas com antecedência. Iria até o Mister, com sua esposa, que viera passar, como o fazia todos os anos, o Natal com o marido.

Em lugar das costumeiras danças em casas particulares, a sociedade de Ilhéus se reunia nos salões do Progresso, no baile sem precedentes. Naquela mesma noite sairia o terno, com suas lanternas, suas canções e seu estandarte. Gabriela estaria de mantilha rendada, vestida de seda, com apertados sapatos.

No baile sentada, de olhos baixos, calada, sem saber como se comportar. Quem levaria o estandarte? Dora ficara desapontada. Seu Nilo, o moço com cheiro de mar, não escondera a sua decepção. Somente Miquelina se mostrara contente, talvez a ela coubesse levar o estandarte.

Só veio um pouco a esquecer, a deixar de chorar, quando o Parque chegou ao descampado de Unhão. O Parque da China com a roda gigante, cavalinhos, chicote e casa de loucos. Brilhante de metais, um desperdício de iluminação. Causando tanto falatório que o negrinho Tuísca, tão longe dela ultimamente, não resistiu e apareceu para comentar.

Nacib lhe disse:

 - Na véspera de Natal não vou ao bar. Só passo por lá. Vamos de tarde ao Parque, de noite nas quermesses.

Aquilo, sim, valia a pena. Andou em tudo com seu Nacib. Na roda gigante foi duas vezes. O chicote era gostoso de mais, dava um frio em baixo do umbigo.

Saiu tonta da casa dos loucos. O negrinho Tuísca calçando botinas – ele também – de roupa nova, andava de graça por ter ajudado a clar os cartazes nas ruas da cidade.

Site Meter