Para quê cobrir de chocolate? |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 134
A
pastora Gabriela, ou da Srª Saad no «reveillon»
«O que vai
dizer minha irmã, a besta do meu cunhado?» Não Gabriela, como poderia Nacib
consentir? Jamais poderia. E com aqui lo
da irmã, ele tinha razão.
Que diria o
povo de Ihéus, seus amigos do bar, as senhoras da alta-roda, coronel Ramiro que
tanto a distinguia? Impossível, Gabriela, impossível pensar em tal coisa, nunca
vira absurdo maior. Bié precisa de se convencer que não é mais uma pobre
empregada, sem família, sem nome, sem nata de nascimento, sem situação social.
Como
imaginar a Srª Saad na frente do terno, a trazer na cabeça coroa dourada de
papelão, rebolando o corpo na dança de passos miúdos, vestida de cetim azul e
vermelho empunhando estandarte, entre vinte e duas pastoras conduzindo
lanternas, a pastora Gabriela, a primeira de todas, a mais notada de todas? Impossível,
Bié, que ideia mais doida…
É claro, ele
gostava de ver, aplaudia no bar, mandava servir rodada de cerveja. Quem não
gostava? Que era bonito, quem ia negar? Mas ela já vira alguma senhora, casada,
distinta, saindo a dançar em terno de reis? Não viesse com o exemplo de Dora,
por coisas assim o marido a largara, a deixara na máqui na
a costurar para os outros. E ainda por cima com sua irmã na cidade, um saco de
empáfia, e aquele cunhado, todo cheio de vento com seu anel de doutor. Ele a
tomou e a sentou no colo.
Não fique
triste Bié. Ria para mim.
Riu, por
dentro choravas. Chorou naquela tarde sobre o vestido de cetim, tão belo, azul
e vermelho, combinação mais vistosa de cores! Sobre a coroa dourada, com uma
estrela. Sobre o estandarte as cores do terno e pregado no meio, o Menino Jesus
e o cordeiro. Não a consolou o presente que ele lhe trouxe, de noite, ao voltar
para casa: uma écharpe cara, bordada, com franjas.
- Pra você usar no baile do Ano bom – disse ele
– No tal de “reiveillon”. Quero que Bié seja a mais bonita da festa.
Não se
falava de outra coisa em Ilhéus senão nesse “reiveillon” do Club Progresso,
organizado pelas moças e rapazes estudantes. As costureiras não davam conta de
tanta encomenda, Vestidos chegavam da Baía; nos alfaiates, as roupas de homem,
de brim branco HJ, sendo provadas; as mesas todas tomadas com antecedência. Iria
até o Mister, com sua esposa, que viera passar, como o fazia todos os anos, o
Natal com o marido.
Em lugar das
costumeiras danças em casas particulares, a sociedade de Ilhéus se reunia nos
salões do Progresso, no baile sem precedentes. Naquela mesma noite sairia o
terno, com suas lanternas, suas canções e seu estandarte. Gabriela estaria de
mantilha rendada, vestida de seda, com apertados sapatos.
No baile
sentada, de olhos baixos, calada, sem saber como se comportar. Quem levaria o
estandarte? Dora ficara desapontada. Seu Nilo, o moço com cheiro de mar, não
escondera a sua decepção. Somente Miquelina se mostrara contente, talvez a ela
coubesse levar o estandarte.
Só veio um
pouco a esquecer, a deixar de chorar, quando o Parque chegou ao descampado de
Unhão. O Parque da China com a roda gigante, cavalinhos, chicote e casa de
loucos. Brilhante de metais, um desperdício de iluminação. Causando tanto falatório
que o negrinho Tuísca, tão longe dela ultimamente, não resistiu e apareceu para
comentar.
Nacib lhe
disse:
- Na véspera de Natal não vou ao bar. Só passo
por lá. Vamos de tarde ao Parque, de noite nas quermesses.
Aqui lo, sim, valia a pena. Andou em tudo com seu
Nacib. Na roda gigante foi duas vezes. O chicote era gostoso de mais, dava um
frio em baixo do umbigo.
Saiu tonta
da casa dos loucos. O negrinho Tuísca calçando botinas – ele também – de roupa
nova, andava de graça por ter ajudado a clar os cartazes nas ruas da cidade.
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