quinta-feira, fevereiro 28, 2013

NUNO ÁLVARES PEREIRA

MESTRE DE AVIS -  
D. JOÃO I DE PORTUGAL
E O SEU CONDESTÁVEL -

Nuno Álvares Pereira



E o Condestável?

Depois da glória das armas as vestes humildes de monge. Morrera-lhe a mulher, a boa mulher e desdenhou de uma donzela, rica e bela, que romanticamente o admirava.

Deixou de manifestar o menor interesse pelos prazeres deste mundo. O seu corpo era uma árvore morta para desejos. Tão pouco a alma se lhe movia aos estímulos da glória.

Metade de Portugal era dele por força das conquistas e confirmação real mas distribuiu boa parte das terras pelos seus vassalos.

Mesmo assim, Dª Beatriz, sua filha, ficou como uma das herdeiras mais ricas de todas as Espanhas que isto, da caridade,  começa por nós e pelos nossos – era a moral comum do tempo e a santíssima moral de hoje.

Nuno Álvares, a despeito de tudo quanto se possa dizer de mal da sua vida heróica, foi o mais genuíno e perfeito dos cavaleiros.

Claro que há dúvidas e interrogações que se levantam no espírito dos que passam em frente da Igreja do Santo Condestável, em Lisboa, inaugurada em 1951.

E são elas: até que ponto um cabo - de guerra pode ganhar o céu depois de ganhar um reino, mesmo sendo para uma segunda pessoa à custa de um ror de batalhas com um ror de mortos?

Por outras palavras: será compatível o furor bélico, a febre de exterminar o inimigo que, no caso concreto - comungava até da mesma fé e moral -,  a paixão selvagem de vencer, com a brancura de alma e a bondade ingénita que são requisitos dos santos e bem-aventurados? - Contradições dos indivíduos e dos povos…

Em 1907, Júlio Dantas publicou um estudo que deu brado acerca de Nuno Álvares Pereira quando, em Roma, na Sagrada Congregação dos Ritos, começava a correr o processo de canonização.

Nesse livro, intitulado Libelo do Cardeal Diabo, Júlio Dantas, procurou desempenhar as funções de advogado do diabo, explorando e carregando as tintas sobre suspeitas pecaminosas e quebrantos de natureza moral.

No fundo, a função do Cardeal do Diabo era articular os mais leves rumores de calúnia histórica registando até os testemunhos mais equívocos de perversidade de forma a influenciar negativamente a decisão final mas nada trouxe o menor dano à proposta de santidade do frade carmelita nem empanou a sua auréola que hoje se venera nos altares de um templo consagrado à sua glória.

Mas, balaço feito, foi justo?

No entender de Aquilino Ribeiro, Nuno Álvares é uma das figuras mais íntegras da humanidade portuguesa.

Filho do Prior do Hospital, enorme garanhão pois lhe contaram no curral nada menos do que trinta e dois filhos mas Nuno não herdaria a pujança do seu progenitor.

Não lhe fugia para o sexo aquela força de resistência física que ele demonstrou através de anos e anos de ininterrupta campanha. Como homem de combate, de espada em punho, capitão dirigindo o exército, soldado infatigável em dias e noites sucessivas, foi inigualável.

Mas temos que o ver no seu tempo, á entrada da Idade – Média, quando imperavam as leis da cavalaria e não os valores da pátria, quando os homens só eram obrigados ao seu Príncipe com um corpo jurídico de direitos e deveres.

Um dia, Nuno Álvares, tomado de despeito relativamente ao Rei, D. João I porque ele não soubera reconhecer-lhe as virtudes ou galardoar-lhe os sacrifícios, alto e bom som lançou-lhe em rosto:

 - Ai, sim, V.A., entende tratar-me desse jeito! Pois até mais ver, passo-me para o Rei de Castela e, à frente das suas hostes, ia a caminho de Espanha quando o Rei o interceptou e o fez recuar nos seus propósitos cedendo aos seus desejos.

O que demonstra que à luz daquela época, Nuno Álvares, apenas deixava de servir aquele príncipe para servir outro sem que isso afectasse o conceito de honra medieval, espelho fiel de cavaleiros.

Tudo em Nuno Álvares é equilíbrio, inteligência e dignidade. Quando ataca ou opera uma retirada estratégica, quando desafia e desiste de levar por diante o seu repto, quando se obstina e porfia contra a própria vontade do rei, os acontecimentos posteriores demonstram, em regra, que ele tinha razão.

Santo?

Segundo o conceito teológico não nos cabe discutir uma investidura que não traz prejuízo a ninguém. Dos sete pecados capitais de qual deles tem de dar contas?

 - Bastava – lhe uma côdea de pão;

 - Nunca se enamorou da mulher do próximo;

 - Soube dominar os impulsos de cólera;

 - Não era rancoroso;

 - Perdoou as injúrias;

 - Cobiçou as riquezas, sim, mas com que armar, alimentar e pagar o soldo aos seus homens, que era quase todo o exército de Portugal.

Quando se retirou e vestiu as vestes de frade declinou nos filhos e em tais e tais vassalos os cuidados de sua casa.

«Dêem-me de comer», e não se lhe ouviu outra palavra terrena.

Amassado neste barro, raro e superfino, nada mais legítimo do que oferecer-lhe os altares da Igreja Católica.

(De Aquilino Ribeiro - Príncipes de Portugal - Suas Grandezas e Misérias)

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