sábado, fevereiro 23, 2013


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 30


 - Pois eu estou com Ticiano – contradisse Jerónimo.

Rigger segredou a Ricardo:

 - Segundo as teorias de Pedro Ticiano, ele, Jerónimo é o único de nós que pode ser feliz…

 - Mas ele teme que a gente o julgue inferior…

Falaram sobre mulheres.

 - Então já esqueceu Julie completamente, Paulo?

 Já. A carne – eu estou com você, Ricardo – não é tudo no amor…

 - Ah! Enfim… Eu não lhe dizia? Se você a tivesse amado também com o coração não a teria esquecido…

 - Eu estou de acordo com você… Mas acho que o amor não existe mais. Talvez já tenha existido. Hoje só há a parte da carne… É verdade que não satisfaz…

 - Ainda há casos de amor - coração, de casamentos felizes, de paixões…

 - Há. Nos romances de Pérez Escrich.



Na porta do cinema iluminado, o milagre. Os dois olhos nevoentos de Maria de Lourdes riam. Os lábios também riram para Paulo Rigger. E ele sentiu que o coração cantava uma canção de felicidade.

Ficou a admirá-la. Que olhos! Grandes, invernosos, tristes… Seriam feitos de névoa ou de dúvida? E aqueles cabelos que sonhavam ser louros… Uma cascata de cabelos. Lábios húmidos, havidos de amor…

Na porta do cinema apinhavam-se mulheres numa confusão de que os rapazes se aproveitavam para beliscar as moças.

Maria de Lourdes ia entrar. Paulo precipitou-se sobre a bilheteira. Deu 2$000, deixou o troco. Entrou junto de Maria de Lourdes, sem deixar que os ousados a beliscassem, como faziam com as outras.

No cinema, a fita já havia começado. Ela ficou de pé ao lado da madrinha, que sentara na última cadeira da sala repleta. Combinaram revezar-se. De três em três partes, trocariam de lugares. Uma sentada e a outra assistiria de pé.

Na tela, Tom Mix, cavaleiro andante do Arizona, praticava proezas medievais para conquistar o coração da sua dama.

Paulo Rigger falou muito atrás de Maria de Lourdes. Dos cabelos dela um perfume intenso, forte, se desprendia.

Paulo disse-lhe do vazio da sua vida. da tristeza de ser sozinho. «Você quer ser a deusa da minha existência?... Venha ser a Nossa Senhora do meu coração…» Gabou-lhe os olhos. Tão lindos… e os cabelos… E o seu todo… Dir-se-ia uma aparição oriental. Uma Scheherazade que viesse contar histórias bonitas para que ele se alegrasse. Tão linda… Devia ser muito boa, também…

Ela sorria olhando a fita. Mas não via bem. A figura de Tom Mix, na tela, confundia-se com a de Paulo Rigger, que estava a falar-lhe ali atrás…

Terceira parte. Luz na sala. A madrinha levantou-se mas Maria de Lourdes fê-la sentar-se: “Fique, madrinha, estou bem de pé.»

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