DO
CARNAVAL
Episódio Nº 30
- Pois eu estou
com Ticiano – contradisse Jerónimo.
Rigger segredou a Ricardo:
- Segundo as
teorias de Pedro Ticiano, ele, Jerónimo é o único de nós que pode ser feliz…
- Mas ele teme
que a gente o julgue inferior…
Falaram sobre mulheres.
- Então já
esqueceu Julie completamente, Paulo?
Já. A carne –
eu estou com você, Ricardo – não é tudo no amor…
- Ah! Enfim… Eu
não lhe dizia? Se você a tivesse amado também com o coração não a teria
esquecido…
- Eu estou de
acordo com você… Mas acho que o amor não existe mais. Talvez já tenha existido.
Hoje só há a parte da carne… É verdade que não satisfaz…
- Ainda há
casos de amor - coração, de casamentos felizes, de paixões…
- Há. Nos
romances de Pérez Escrich.
Na porta do cinema iluminado, o milagre. Os dois olhos
nevoentos de Maria de Lourdes riam. Os lábios também riram para Paulo Rigger. E
ele sentiu que o coração cantava uma canção de felicidade.
Ficou a admirá-la. Que olhos! Grandes, invernosos,
tristes… Seriam feitos de névoa ou de dúvida? E aqueles cabelos que sonhavam
ser louros… Uma cascata de cabelos. Lábios húmidos, havidos de amor…
Na porta do cinema apinhavam-se mulheres numa confusão
de que os rapazes se aproveitavam para beliscar as moças.
Maria de Lourdes ia entrar. Paulo precipitou-se sobre
a bilheteira. Deu 2$000, deixou o troco. Entrou junto de Maria de Lourdes, sem
deixar que os ousados a beliscassem, como faziam com as outras.
No cinema, a fita já havia começado. Ela ficou de pé
ao lado da madrinha, que sentara na última cadeira da sala repleta. Combinaram
revezar-se. De três em três partes, trocariam de lugares. Uma sentada e a outra
assistiria de pé.
Na tela, Tom Mix, cavaleiro andante do Arizona,
praticava proezas medievais para conqui star
o coração da sua dama.
Paulo Rigger falou muito atrás de Maria de Lourdes. Dos
cabelos dela um perfume intenso, forte, se desprendia.
Paulo disse-lhe do vazio da sua vida. da tristeza de
ser sozinho. «Você quer ser a deusa da minha existência?... Venha ser a Nossa
Senhora do meu coração…» Gabou-lhe os olhos. Tão lindos… e os cabelos… E o seu
todo… Dir-se-ia uma aparição oriental. Uma Scheherazade que viesse contar histórias
bonitas para que ele se alegrasse. Tão linda… Devia ser muito boa, também…
Ela sorria olhando a fita. Mas não via bem. A figura
de Tom Mix, na tela, confundia-se com a de Paulo Rigger, que estava a falar-lhe
ali atrás…
Terceira parte. Luz na sala. A madrinha levantou-se
mas Maria de Lourdes fê-la sentar-se: “Fique, madrinha, estou bem de pé.»
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