E A SUA CRUZADA
A ALCÁCER-KIBIR
(continuação)
Os fidalgos entregaram-se a sumptuosos e
demorados aprestos. Todos se empenhavam em ir galantes, não se importando de
agravar suas casas, vendendo e ou hipotecando as terras.
Os alfaiates ganharam rios de dinheiro,
disputados pelos mais ricos. Os adornos e guarnições, O adamasqui namento
das armas, e as pinturas em elmos e escudos de insígnias e divisas era coisa de
admirar. Em doçaria, bebidas, conservas, desvairou a aritmética – reza um
cronista.
A despesa era de tal ordem que se
poderia ter organizado outro exército. De par, mandaram vir dos países musicais
arrabis, longas, cítaras, de sorte que parecia menos uma expedição militar que
uma comitiva das “Mil e uma Noites” para celebrar as bodas de um príncipe
encantado.
Eram mais de oitocentas velas, contando
naus, galés, galeões, urcas e caravelas. O Tejo, diante de S. José de Ribamar,
local designado para singrador comum, ficou coalhado com a vistosa frota.
Dos mastros, flâmulas e galhardetes
esvoaçavam à brisa. Os bergantins e batéis, entre terra e navios, andavam numa
dubadoira.
Orçavam em 20.000 homens, para mais que
não para menos, as tropas de desembarque, bem municiadas, com muita artilharia
e um serviço de saúde regularmente montado para o tempo, dispondo de trezentos
leitos e de um piquete numeroso de enfermeiros recrutados todos entre os
dominicanos. Para puxar peças e a carriagem
levavam mais de 8000 bois.
O nervo da expedição residia na mó de
mercenários, soldados tudescos, experimentados na táctica nova, e no corpo de
600 italianos cedidos pelo Papa.
Afora os aventureiros, em cujas filas
formava a fina flor da fidalguia e os fronteiros de África, o mais era gente
bisonha. Muitos iam à força e, no geral, ignoravam o manejo de armas.
Armados de chuços, sabiam mandá-los como
às forqui lhas de carregar o tojo,
jogando-os para a frente no balanço dos braços. Em Cádis esperavam que se lhes
juntasse um terço de Castela, formado por bons soldados veteranos feitos em
dúzias de campanhas.
A frota fez realmente escala por aquele
porto, mas os invictos soldados faltaram ao encontro. O duque de Medina Sidónia
é que organizou em honra de S. Sebastião grandes festas com a infalível corrida
de touros por número obrigatório.
Durante os dias que ali estancionaram,
“muitas andaluzes, cativas das bizarrias dos portugueses e rendidas ao seu
amor, se lhes entregavam e se introduziam com eles na Armada, com grave
prejuízo das consciências e anúncio de mau sucesso” – escreve o piedosíssimo
padre Baião, nosso guia em matéria sebástica.
De Cádis a esquadra meteu a Tânger onde
chegou com o anoitecer. Já lá se encontrava o Xerife à espera do aliado. Três
dias depois levantou ferro para Arzila onde havia de desembarcar a expedição.
D. Sebastião, a descer no cais, e a
entregar-lhe um mensageiro a carta de Mulei-Maluco, que só serviu para exaltar
a farronca. Nela fazia-lho o Sultão as propostas mais aceitáveis, como
ceder-lhe outros lugares marítimos e mais terreno para o sertão de modo a
dilatar o enclave português.
(continua)
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