quarta-feira, março 06, 2013


D. SEBASTIÃO
E A SUA CRUZADA
A ALCÁCER KIBIR
(continuação)



Começavam a faltar os alimentos, por terem sido reduzidas as rações – a fim de que os homens não perdessem mobilidade – aos três dias que contavam ser necessários para vencer os mouros e reabastecerem-se da frota.

A todas as observações o rei taxava de cobardes. Às vozes mais altas retrucava descabeladamente com ameaças de morte. A um dos seus, João de Sousa, jogou tal lançada que o teria atravessado se não fosse o aço fino da cota.

Mesmo assim, foi decidido que se voltasse a Arzila, contando que a armada ainda se encontrasse no porto. Desgraçadamente a frota tinha levantado ferro para Larache.

No mesmo dia houve grosso alarme no campo e se tocou arma. O rei, exasperado, cometeu os mais incríveis despautérios. Por irrisão do caso, chegou ao acampamento o Capitão Aldana com 500 soldados que mandava o duque de Alba, mas sem armas nem munição alguma de boca. Em compensação trazia-lhe o elmo e o capacete de Carlos V.

Este socorro, que seria providencial noutras condições, agora só lhe servia de estorvo. Como alimentar o terço? As úteis e idóneas armas tinham ficado nas naus. Por outra, era já tarde para Aldana, Capitão experimentado, corrigir a desastrada estratégia do rei, imprudente acima de tudo e estupidamente sôfrego, ele só, dos louros da vitória.

Tanto assim que deu ordem para a esquadra se abster de entrar em Larache, querendo reservar para si a honra da conquista, quando a todos se computava fácil, precipitando o desembarque, tomar a cidade de um primeiro ímpeto.

No dia 2 acampou o exército em Barkain, cerca de uma “daya”, terreno pantanoso e areento, e começaram a aparecer no horizonte os corredores mouros.

No dia 3 atravessaram o Ued Mehacen pela ponte, movimento de tanto erro que, naturalmente lhes ficava cortada a retirada pois o riacho, ainda que na maré baixa se pudesse passar a vau, não permitia com o alagadiço a manobra das peças nem mesmo da cavalaria. Meia légua adiante da ponte enfrentaram a vanguarda moura.

Um renegado português que aspirava ser restituído à sua terra, veio informar el’rei do que se passava no arraial mouro e dar-lhe conselhos salutares.

Debalde. O infeliz queria glória, glória sem contradita, glória ganha a peito descoberto, sem os ardis da táctica, nem espécie alguma no combater. O que levou o renegado a comentar nessa noite.

 - Maior é o temor que os mouros têm que razão para tê-lo. No campo cristão há muita lenha e pouco fogo para queimar a Berbérie.

No dia 4, uma segunda-feira, véspera de Nª Sª das Neves, voltaram alguns oficiais a mostrar a D. Sebastião as vantagens que havia em diferir a batalha, tanto mais que era de esperar a deserção do exército do Maluco, às portas da morte, em favor do Xerife, o aliado.

Respondeu-lhes furioso e embravecido. O Xerife mandou ainda um emissário que se esforçou, a seu turno, por convencer el’rei com grande cópia de argumentos, mais convincentes, uns que outros, de quanto tinham a lucrar demorando a batalha. Vinte e quatro horas, senhor…?

Escasseiam os víveres no campo…

- Abatem-se os bois. São demais…

 - Não, há-de ser hoje. E deixem-me com todos os diabos!
(continua)

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