CRUZADA
A ALCÁCER – KIBIR
(continuação)
Oferecia-se demais para assinar um
tratado de paz e de boa vizinhança com o príncipe cristão e, para que não
houvesse mais embargos, até um hinterland, com autonomia própria deixava ao
“perro do xerife, perro pagão e desleal”. O essencial era que não viesse
fazer-lhe guerra, uma guerra torpe, sem justificação, aconselhada por gente sem
vergonha nem siso.
Esta carta, tida por uns como um ardil,
por outros como expressão de verdade, escondeu-a D. Sebastião do seu Conselho,
não desse azo a estorvá-lo de fazer guerra ao mouro com condições de paz tão
sedutoras.
Entretanto por todo o Marrocos tocava-se
a rebate, e do formigueiro das cidades, aduares (aldeias mouriscas) até o Atlas,
saíam árabes de cavalo e a pé, em corcel e de jerico, armados de trabucos ou de
lanças, de chuços ou simplesmente de fueiros, a defender a terra-mãe.
Quando D. Sebastião se pôs em marcha a
caminho de Alcácer-Kibir, era uma multidão inumerável, muitas vezes superior
aos portugueses, em que não faltavam as melhores armas e a melhor artilharia
para o tempo, enviada, consoante informações emanadas do Papa, pela rainha de
Inglaterra, a fiel aliada de sempre.
Em suma, um campo de cinco ou seis
léguas mostrava-se tão ocupado de inimigos que não se enxergava um palmo de
terra. Na relação da batalha, feita pelos árabes, o exército mouro compor-se-ia
de 26.000 homens a cavalo dos quais 1.000 eram turcos, e 16.000 infantes, dos
quais trezentos andaluzes.
Admitindo ainda este cômputo, sempre era
maior que o exército português.
As tropas, segundo as ordens do rei, que
prevaleceram a toda a contradita do seu Estado-Maior, puseram-se em marcha pela
terra dentro, quando podiam-no fazer pela fímbria da costa, desaproveitando-se
do apoio que lhe podia prestar a frota, e da frescura marinha, tão apreciável
com a canícula que abrasava o céu e terra naquele pino do Verão.
Mas procedia-se, como sempre, ao invés
do espírito prático, da lógica, da razão e até da elementar humanidade. D.
Sebastião mostrava-se excitadíssimo, trabalhado pelo enervamento, sem tom nem
som, incapaz de pôr acerto nas palavras e nas obras, como é próprio dos
epilépticos, sujeitos a tensão.
Ao vê-lo assim, dementado, procedendo em
contra do bom senso, tendo mesmo mandado executar um soldado por um pecadilho,
zorato (doido) de todo, pensaram alguns que lhe eram mais próximos em
prendê-lo.
-
Este homem está louco e arrasta-nos à perdição – exclamou em voz alta o barão
de Aleito. – Prendemo-lo!?
-
Para o prender é tarde, senhor! – respondeu-lhe Frei João da Silva,
eclesiástico de grande influência, irmão do Bispo do Porto.
-
Melhor é tarde que nunca!
-
E os validos e lisonjeiros que o cercam? Deixariam eles?
-
Pois então, Padre-Nosso pelo rei, pelo reino e pelos vassalos!
Retardado pela muita carriagem, acampou
o exército a 29 de Julho sobre Ued-er-Rehe, no sítio chamado os Moinhos, a umas
3 léguas de Arzila.
No dia 30 e 31 botou até El Menara onde
se tornou patente o absurdo que havia em dirigir a marcha através dos areais
com o sol a escaldar.
(continua)
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