DO
CARNAVAL
Episódio Nº 38
O pai de Ruth já lhe
dissera que, assim que pudesse sustentar a esposa, viesse pedir a menina. Era
do seu gosto, isso era. Mas podendo sustentá-la. Para deixá-la morrer de fome,
não!
Ricardo arrancava os
cabelos, desesperado.
- Eis como a Felicidade chega ao alcance da
gente e se deixa fugir… Que desgraça!
Pedro Ticiano rogava
pragas:
- Queiram os céus que você não arranje
dinheiro. Só assim você evitará ser infeliz… O casamento não lhe dará a
Felicidade, Ricardo.
- Infeliz, eu? Eu me conheço bem, Pedro.
- Mas eu lhe conheço melhor ainda…
A preocupação agora
envolvia-os quase completamente. Ricardo todo entregue a Ruth. Paulo Rigger só
pensava em Maria de Lourdes. José Lopes, lendo cada vez mais, enterrado entre
os livros de filosofia, via uma luta intensa. Dividia-se entre o instintivismo
e espiritualismo. Procurava os amigos para discutir, livrar-se daquele peso.
Mas os amigos pouco apreciam. Entregues ao amor, mal vinham à redacção fazer às
pressas as suas notas.
Pedro Ticiano estava
insuportável. Cada vez mais blagueur, respondera-lhe quando falara sobre o
assunto.
- O espiritualista não conhece o espírito, e o
materialista não conhece a matéria. A atitude da dúvida é a única atitude.
Você vê toda a confusão
moderna. Pois eu, o céptico, me envolvo nela, sinto-a, mas, entretanto, ela não
me vence.
- Mas você não se sente inqui eto? Não sente a falta de alguma coisa?
- Sinto-me inqui eto,
sinto a dúvida. Mas, ao contrário de vocês, eu não procuro solução para esta inqui etação e para esta dúvida. Ao contrário, faço
dela o fim da minha vida. Nela consiste a minha Felicidade. No dia em que
deixar de duvidar, quando tiver uma certeza, ser-me-á impossível viver.
- Isso tudo já é velho, Ticiano, A sua geração
endeusou a dúvida. A minha a combate.
- O que não quer dizer senão que a minha
geração foi muito superior à de vocês.
- O caso das nossas gerações é o mesmo é o
mesmo que o da literatura de antes e de depois da Guerra… Uma literatura de
frases, a outra, literatura de ideias.
- Não é assim. Mas, mesmo que fosse, eu
ficaria com a literatura de antes da Guerra. Eu, quando leio um artigo, não
quero saber se o seu autor tem ou não boas ideias, se é ou não útil. O que eu
quero saber logo é se ele é ou não escritor, se escreve bem ou mal.
Mas a verdade é que a
literatura anatoliana tinha também ideias. Dava soluções. Mandava que se
duvidasse sempre. É ou não uma solução? Colocava a Beleza acima de todas as
coisas. Vocês aceitam Deus porque Deus é útil. Nós o negávamos porque achávamos
que ele não satisfazia o nosso ideal estético.
Vocês eram terrivelmente
egoístas. Ególatras, às vezes.
- E vocês praticam o Egoísmo na sua forma mais
torpe: o humanitarismo. Nós queríamos a aristocracia do talento, do espírito.
Vocês hoje pleiteiam a aristocracia da força. Vocês fazem com que a
inteligência abra falência… Só a cultura fica valendo alguma coisa. Porque só a
cultura é útil.
- Mas vocês foram fracassados.
- Sim porque toda a vitória na vida é um
fracasso na arte…
- Já passou a época dos
paradoxos, Ticiano.
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